O thriller interativo conquista pelo mistério, consumindo horas do seu precioso tempo, mas vale a pena.
A última vez que senti o impacto de um loop dentro de um jogo foi em 2014 com o P.T. (sigla para o Playable Teaser), uma demo sinistra do projeto cancelado Silent Hills, de Hideo Kojima. A claustrofóbica casa com um corredor em “L” te obriga a explorar todos os cantos até você encontrar a verdadeira solução daquele quebra-cabeça propositalmente complexo. Assim como muitos que jogaram, nunca terminei P.T. por não confiar no poder do processo de tentativa e erro que ele sugeria. Quem sabia o que fazer conseguia terminar o jogo em menos de 20 minutos, fazendo cerca de 10 loops perfeitos.
Durante a E3 de 2019, me deparei com o anúncio de Twelve Minutes, jogo artístico com “carinha” de indie, que deveria ser lançado em breve, conforme prometido. Uma pandemia inteira (inacabada) depois, tive enfim o jogo em mãos. Disponível para PC e Xbox One e Xbox Series X/S, ele foi lançado no último dia 19 (e está disponível no Game Pass).
O cenário é limitado: um apartamento com sala/cozinha, quarto e banheiro. Você não tem fuga e logo precisa aprender tudo o que está a seu alcance, neste imersivo “thriller interativo” feito pelo português Luis Antonio.
É uma noite chuvosa e você chega em casa depois de um dia no trabalho. Recebido por sua esposa, você descobre que ela está grávida e, em poucos minutos, ambos são surpreendidos quando um policial bate na porta com um mandato de prisão para ela, sob suspeita de ter matado o próprio pai.
Com isso em mente, você inevitavelmente volta alguns minutos, precisando descobrir mais informações e tentar evitar que isso aconteça. De maneira superficial, Twelve Minutes se resume a isso. O que te fará continuar jogando é o puro interesse em desvendar este mistério.
Pela breve sinopse, Twelve Minutes pode muito bem soar como um filme independente de médio orçamento. Mas o elenco dos dubladores não dos personagens não é: temos estrelas James McAvoy, Daisy Ridley e Willem Dafoe debaixo do mesmo teto.
Das primeiras vezes que li a respeito de Twelve Minutes, pensei que a “inspiração” em filmes de diretores renomados fosse um exagero audacioso. Quer dizer, Ghost in the Shell e Blade Runner são a base para o mundo do game Cyberpunk 2077, mas o game não chega nem perto do pedestal. Logo, quando li no site oficial e, mais tarde, ouvi da boca do próprio criador, que Twelve Minutes fora inspirado em longas de Alfred Hitchcock, Christopher Nolan e Stanley Kubrick, não demorei a ficar com um pé atrás.
Sem entregar a complexidade dos mínimos detalhes deste enredo, o que posso fazer é comparar com dois filmes específicos, ainda que de maneira vaga: Twelve Minutes está entre as reviravoltas malucas de Psicopata Americano e o surpreendente Ilha do Medo. Quem assistiu ambos sabe muito bem o norte do jogo – e se você não assistiu, recomendo fazê-lo assim que finalizar a leitura deste texto.
Fora do gênero de thriller, pode-se fazer um paralelo mais pontual com Contra o Tempo, a ação de loops temporais que estrela Jake Gyllenhaal. Por diversos motivos do enredo, Twelve Minutes se aproxima bastante deste. Dentro da ficção científica, No Limite do Amanhã dá a noção de ser preciso morrer e renascer com aquelas mesmas informações. Apostando no terror com um pouco de comédia, A Morte Te Dá Parabéns faz o mesmo.
Quem viu Feitiço do Tempo, de 1993, sabe o que esperar. O personagem do filme, interpretado por Bill Murray, começa a se irritar pela música que toca todos os dias, pelas mesmas pessoas que interage, com seu trabalho e com todos os “acidentes” que se repetem. Tudo é essencial para chegarmos no clímax. Twelve Minutes faz isso e, por esta razão, talvez não seja tão agradável para todo mundo. Há uma grande reviravolta a ser descoberta, mas o caminho para chegar até lá é bastante tortuoso e só fica óbvio ao jogador após horas (e dezenas de loops).
O jogo é eficaz em te fazer sentir, pro bem ou mal, que você está preso no tempo. Em poucos loops você não aguenta mais ouvir o doce som da voz de sua esposa receptiva e adorável, pois depois da 21ª vez, nem um monge tibetano consegue lidar com a falta de paciência. Às vezes, um sutil erro de diálogo te faz perder o loop inteiro, fazendo com que você seja obrigado a voltar do zero.
A respeito da jogabilidade, você não demora muito a entender todos os seus limites dentro do pequeno apartamento. Há uma faca sobre a bancada da cozinha, um remédio para dormir, duas sobremesas na geladeira e um celular, dentre outros itens (aparentemente) inúteis. Os quadros nas paredes parecem não ter efeito nenhum, assim como a luz do quarto do casal, mas acredite: quase tudo ali tem seu propósito e sua simbologia.
Porém, para passar por um certo obstáculo, caímos na tentativa e erro. Por descobrir certas coisa,s você consegue adiantar os diálogos dos personagens, mas de vez em quando o conflito “precisa” acontecer repetidas vezes para você ter mais informações. Por causa de um certo item, o game chega a te despistar do objetivo principal, uma ótima maneira de ensinar o jogador. Infelizmente, isso pode ser frustrante para quem insistir no objeto, pensando que aquele é o único caminho.
Fica o aviso que o game não te deixa “transportar” nenhum item guardado em seu bolso. Além de evitar possíveis paradoxos, como você poder multiplicar qualquer item à sua disposição, essa limitação afeta o raciocínio lógico de quem joga, porque não é necessário ir tão longe para chegar em certas soluções deste quebra-cabeça enigmático.
Por pertencer ao gênero point and click basta saber mexer em um mouse para “saber” jogar. A combinação de itens e maneiras criativas de utilizá-los no cenário (e “em” personagens) sem sombra de dúvidas é mais evidente para gamers, o que tem potencial de afastar jogadores não habituados ao gênero. E boa sorte para quem jogar no Xbox, pois apontar com um mouse é infinitamente mais simples do que com um controle.
Independente da experiência com jogos, ou falta dela, a mais irônica gafe de Twelve Minutes é a dificuldade em chegar aos 12 minutos. Antes da metade deste ciclo, o policial chega na sua porta e faz de tudo para entrar. Por mais que você atrase o processo, assim que ele consegue é quase impossível fazer que o loop dure mais de 7 minutos. Exceto por uma ação exata, depois de você descobrir coisas o suficiente por uma dezena de loops, ele entrará e de alguma forma te fará voltar no tempo – como mostrado no trailer com comentários do diretor.
Não darei spoilers sobre a conclusão de Twelve Minutes, porém, preciso dizer que um dos pontos mais fortes do jogo é ter múltiplos finais. Somente um deles é o “verdadeiro” 100% conclusivo, onde todas as pontas soltas são amarradas e você sai do loop em definitivo. Detalhe: é o único que mostra os créditos. Existe inclusive um final onde você entra no apartamento e, enquanto jogador, não interage com nenhum objeto. Até sem você tocar no mouse/joystick, a história segue por um rumo diferente.
No jogo você está limitado a somente seu inventário e o menu de pausa, para ajustar configurações. O registro do progresso e tudo o que seu personagem sabe fica restrito às escolhas de diálogo que você tem com sua esposa e o policial. Há um exercício mental para lembrar de suas próximas ações, repetindo o passo a passo com cautela. A única forma de ver quais finais oficiais você conseguiu é fora do jogo, pelas conquistas da plataforma, seja no Xbox ou no PC (via Steam).
Passei cerca de 10 horas no jogo para conseguir chegar em todos os finais possíveis, traçando a cronologia de acontecimentos e vendo onde cada escolha me levava. Quem não souber o que fazer pode chegar em uma “conclusão” para a história por acidente e simplesmente decidir deixar Twelve Minutes de lado. Afirmo que esse pode ser o caso de muita gente, ainda mais se considerarmos que, por insistência e processos repetitivos, ele também pode ser curtido por jogadores casuais.
Twelve Minutes foi lançado para PC (Steam) por R$ 51,99 e para Xbox One, Series X e Series S por R$92,45 – também disponível via assinatura do Game Pass.