Crítica

A jornada psicodélica de The Artful Escape

Neste jogo indie, Francis Vendetti parte em uma viagem intergalática em busca de encontrar a si mesmo – enquanto reproduz riffs em sua guitarra.

17 de janeiro de 2022

Publicado pela Annapurna Interactive (responsável por outros jogos indie de respeito, como Outer Wilds e Twelve Minutes), The Artful Escape traz a jornada de Francis Vendetti, um músico folk que vive sob o legado de seu tio Johnson Vendetti, uma cópia cuspida e escarrada Bob Dylan. O jogo traz discussões profundas sobre identidade e, como o nome adianta, uma dose pesada de alucinógenos. Toda a proposta orbita em torno da identidade belíssima do game, que tem visual e música espetaculares. A aleatoriedade da aventura é carregada de humor, com diálogos profundos e lições de vida estranhamente reais.

Captura de tela/Bitniks

Às vésperas de uma efeméride, o protagonista é cotado para participar de um festival, o que o tiraria de sua zona de conforto. A princípio, Vendetti não quer carregar o fardo de seu tio. Mas basta a chegada de seres intergalácticos para mudar sua cabeça.

Isso serve de catapulta para que o personagem leve quem joga para conhecer esse universo rico. São três planetas principais, divididos em três atos distintos. Basta poucos minutos para você se sentir motivado a explorar e aproveitar cada segundo. No meu caso, houve um esforço extra de querer pegar todas as conquistas – que, por sinal, são bastante simples.


Para contar a história, há um elenco de peso — um fator que me atraiu assim que vi o jogo como parte do Game Pass. Além dos atores de voz Michael Johnston e Caroline Kinley, dupla principal de personagens, há estrelas hollywoodianas como Lena Headey (Cersei, de Game of Thrones), Jason Schwartzman (Scott Pilgrim), Mark Strong (Kingsman) e Carl Weathers (Apollo Creed, nos filmes de Rocky Balboa).

Artful Escape trata com cuidado especial os detalhes alinhados que permeiam seu forte enredo. Encontrar sua música e “encontrar a si mesmo” no Universo são os temas que mais permeiam o game, sempre partindo da ótica de Vendetti. Escolhas de diálogo e certas liberdades dadas ao jogador, ainda que tudo permaneça bastante linear, garantem uma boa imersão no universo, e gerem breves momentos de reflexão.

Captura de tela/Bitniks

Vemos uma distinção muito clara entre o que o personagem pensa de si, do mundo em que vive e de todos os novos locais que visita. Aos poucos, entendemos o que cada um também espera dele. A fuga do lugar comum (daí o “Escape” do título) é coerente com cada elo de sua estrutura. Tudo funciona em harmonia, bem como cada etapa das viagens pelo cosmos de Francis.

A jogabilidade, por outro lado, não poderia ser mais tradicional: quem jogou Super Mario sabe o que esperar. É um jogo de plataforma, em que você pula e se movimenta da esquerda para a direita e vice-versa — e, ocasionalmente, tocando guitarra. A qualquer momento, você também pode sacar o instrumento e improvisar (basta segurar um botão) — harmonizando com literalmente todas as trilhas sonoras, em qualquer planeta.

Uma mudança de jogabilidade curiosa é quando você encontra as jam sessions. São minigames em que você precisa repetir certa sequência de botões indicada pelas criaturas que encontra – que não oferecem muita dificuldade para quem brincou de Genius quando era criança. O jogo de memorização não quebra tanto o ritmo de Artful Escape, mas pode ser entediante e frear a imersão do jogador que prefere se entregar ao restante da experiência audiovisual.

Captura de tela/Bitniks

Dentre as referências visuais, para além das citadas inspirações psicodélicas, há também referências do mundo da sétima arte. Ganham destaque aqui certos acenos a Stanley Kubrick (inclusive referências a 2001: Uma Odisseia no Espaço e Nascido para Matar).

A beleza dos traços, ora lembrando colagens modernas de artistas digitais, foi tão comovente que me vi obrigado a lotar o armazenamento do Xbox com capturas de tela, resultando em agradáveis (80, ou talvez mais) papeis de parede. Não me arrependo.

As composições autorais, que harmonizam com a trilha de fundo, são um show à parte. Toda a trilha sonora, aliás, é guiada com variedade de gêneros, a depender de onde/quando o protagonista está. The Banks of the River are Lined with Gold abre o jogo e pavimenta o caminho para o que virá.

Em termos de imersão, um adicional interessante é a possibilidade de personalizar Francis e batizar seu alter ego a partir de certo ponto da jornada – independente do gênero, seja binário ou não-binário. Nos diálogos com outros personagens, seu nome é substituído por um riff de guitarra, a saída mais cômica e criativa possível para quebrar esta barreira entre criação e jogador.

Captura de tela/Bitniks

Durante toda a jogatina de The Artful Escape, que leva pouco menos de 5 horas até sua conclusão, fica evidente que o estilo casual se aproxima de outros jogos independentes, que tenta mais parecer um “filme interativo” e uma “experiência imersiva” do que um videogame em si. Prova disso é você não poder falhar as jams; caso erre a sequência e toque uma nota errada, a criatura que encomendou o desafio limita-se a repetir para você tocá-la de novo.

Não creio que esse seja um grande demérito a Artful Escape. Porém, a ausência de surpresas nessa jogabilidade chapada (sem trocadilho intencional) pode desinteressar o público menos casual. A soma das metades resulta em um título criativo, atravessando as barreiras do tempo e espaço – assim como a música é mestre em fazer.

notas bitniks 4.5

The Artful Escape está disponível para Xbox Series X/S, Xbox One e PC (Steam), incluso na assinatura do Game Pass nas três plataformas.