Cultura

12 perguntas para Luis Antonio, o criador de 12 Minutes

Com base em filmes do gênero thriller, o game de loop temporal tem enredo intrigante e reviravoltas dignas de cinema.

20 de agosto de 2021

Esta semana foi lançado Twelve Minutes (também grafado como 12 Minutes), game que reúne inspirações cinematográficas para contar uma história guiada por um loop temporal. Se você já assistiu No Limite do Amanhã, A Morte Te Dá Parabéns ou O Feitiço do Tempo, sabe bem como funciona: o protagonista vive normalmente seu dia e, por algum motivo, ele é obrigado a reviver tudo aquilo, mantendo sua consciência. O ciclo se repete, com tudo e todos voltando à estaca zero, em um período predeterminado.

Twelve Minutes utiliza desta mecânica para mostrar a vida de um casal que, no dia do loop, é surpreendido por um policial, acusando a mulher de ter matado o próprio pai. Sob comando do jogador há somente a câmera filmando a cena de cima, um apartamento e um grande mistério à la thriller a ser solucionado.


O que mais impressiona no game é o progresso das descobertas do protagonista (sem nome) junto de você, jogador. Twelve Minutes te obriga, em partes, a chegar a vários finais possíveis, caso você queira explorar todas as vertentes da história. O mapa mental que o jogador cria, com todos os “pontos finais”, incentiva a querer continuar no loop até o momento que for o suficiente.

Existe um único final conclusivo com créditos que sobem na tela, mas é preciso muita dedicação e persistência – o que leva em torno de 4 horas de repetecos. E, somado a isso, o game não é livre de erros, pois intencionalmente criar paradoxos geralmente te levará a conclusões e diálogos repetidos da história. Por sinal, muitas vezes você pode nem chegar aos “12 minutos” de loop, visto que um dos maiores conflitos acontece na metade desse período e te faz reiniciar 99% das vezes.

A mente criativa que arquitetou o game é o português Luis Antonio, capaz de recrutar ninguém menos que Daisy Ridley, James McAvoy e Willem Dafoe para interpretar este trio de personagens, no projeto que durou mais de 7 anos. Durante pouco mais de 24 minutos (um total de dois loops!), Luis conversou com o Bitniks e você confere a entrevista, na íntegra, a seguir.


Há alguns anos, no blog de desenvolvimento do jogo, você chegou a citar inspirações sobre o que “fazer” e “não fazer” em Twelve Minutes com base no que você viu da série Westworld. Havia interesse em fazer um jogo de maior escala, ou pra você ele sempre foi limitado a um pequeno apartamento?

Sim, faz muito tempo! A minha ideia inicial era fazer uma cidade pequena, como em Birds [Os Pássaros] do Hitchcock, onde haveria uma simulação de 24 horas. A história começaria com você em casa com sua mulher, você saía para trabalhar e, quando voltava, ela teria sido assassinada. E você precisava resolver o “murder mistery”.

Quando comecei a programar a ideia, vi que é difícil as pessoas terem noção das consequências de suas ações. Havia um puzzle onde você estava no trabalho, fazia seu patrão ter um acidente e você hackeava o computador dele. E ficava super confuso saber o que você fez e o resultado daquilo se o loop fosse grande demais. Reduzir os aspectos do design fez com que ficasse muito mais claro ao jogador sobre as consequências das suas ações.

O relógio reflete o carpete da área externa do apartamento, uma referência ao filme O Iluminado (Captura de tela/Bitniks)

Mesmo que não funcione para o que acabou se tornando Twelve Minutes, você ainda tem interesse em fazer um jogo de loop temporal mais complexo, de mundo aberto?

Há uma ideia que estou trabalhando agora que é uma continuação do conceito desse jogo. É difícil explicar sem spoiler, mas o Twelve Minutes nunca te dá um objetivo e nunca te diz o que fazer. Você é lançado na situação e decide como vai resolver. Há um policial vindo e você deve querer reagir, mas você não sabe onde estão os limites do gameplay no começo. Você começa a criar na sua cabeça o que o jogo vai “fazer você fazer”.

Isso é super interessante e, aos testadores do jogo, o que mais ativa é essa abertura inicial que continua a se expandir a cada loop. Acho que isso falta aos jogos, os game de hoje em dia são muito lineares. Mesmo os jogos como Heavy Rain que tentam ser mais abertos, você joga mas sabe onde estão os limites. Eu gostava de explorar o conceito de não ter essas paredes, onde estão os limites.

E quais foram as inspirações do mundo do cinema para você criar o roteiro do jogo?

O jogo, em si, começou com “o que é interessante na repetição do tempo?”. Inicialmente eram as mecânicas de, por exemplo, como abrir uma porta (então no loop seguinte você abre mais rápido). O que é interessante é sua interpretação como jogador do que está acontecendo. E por você ter esse interesse deve haver uma situação muito pessoal, algo que faça você se preocupar com os personagens. Aí que veio a ideia de um casal para a aventura. 

No momento que virou um casal, limitou (no bom sentido) o que essa narrativa poderia ser. Ou seja: a narrativa começou pelo lado de design, para fazer uma experiência interessante. À medida que surgiram essas peças do quebra-cabeça, começamos a criar um apartamento, a aparição de um intruso, uma mulher e o marido em casa lidando com a situação. Aí veio a história.

L. B. Jefferies em Janela Indiscreta (Reprodução/MUBI)

A segunda parte foi criar uma história que funcionasse com a temática da repetição, tirando as camadas dessa cebola. Em cada camada que você tira, descobre mais e mais. Então foram filmes que utilizam essas mecânicas. Por exemplo o Rear Window [Janela Indiscreta], do Hitchcock. O personagem está na janela vendo a situação, mas nunca está na situação. E há essa interpretação secundária, para tentar descobrir o assassinato, como Memento [Amnésia], onde há essa troca de cenas de modo a criar sentimentos pelo que o personagem sente.

Filmes onde há essas mecânicas, com o modo em que são filmados, como usam a câmera (como The Shining [O Iluminado]), como as cenas do background mudam de vez em quando, ou como a planta do hotel não faz sentido. Tentei ver como certos criadores utilizam suas ferramentas para ajudar a falar o que querem falar, vendo como posso usar isso no roteiro e no gameplay do jogo. A história em si foi muito orgânica, no aspecto da criação. Os momentos diversos, esses beats todos. Foi quase o jogo que ditou o que viria a funcionar.

O conceito do porquê de “12 minutos” é explicado em algum momento dentro do game?

Inicialmente, quando coloquei o jogo na PAX East para ver se as pessoas gostavam, precisava de um título para o jogo. O loop nessa altura tinha 12 minutos. E disse “ok, vamos chamar de 12 minutos”. 12 minutos foi o que calhou, ao máximo do loop. Percebi que 12 tem certas conotações e funciona para outras coisas e criam a experiência para funcionar com 12 minutos, mas inicialmente foi aleatório. 

Quando estávamos para lançar essa primeira demo, em 2015, tinha pouco mais de 10 minutos. Senti que 12 é um número que carrega mais simbolismos do que 10. E também eu precisava de “mais minutos”, não sabia muito bem… porque há certas coisas que precisam de um tempo para serem feitas antes do loop. Eu queria garantir que haveria esse espaço, que precisava de mais tempo.

Por ser um loop temporal, o game não deveria ter final conclusivo, certo?

Exato. Houve um esforço claro da minha parte em tentar fazer uma experiência que o fim não é um “fim” como as pessoas estão acostumadas, mas é algo que tem a ver com a repetição constante de tempo.

O jogo vai ter créditos. Sei o que as pessoas pensam quando veem créditos. Eu também uso a linguagem do cinema nesse sentido para criar essa ideia de finalização para certos jogadores, do que você espera que vai acontecer. Não quero dizer mais para não entrar em spoiler, mas houve claramente um esforço para dizer o que seria o final de uma experiência que se repete constantemente. Espero que o pessoal goste do resultado.

São os elementos que você tem, de uma cena após a outra. Por exemplo em Westworld. Chega um momento que você percebe que a Dolores (e você) vê que as linhas do tempo não são iguais, que não está tudo na mesma cronologia. Brincar com esses momentos é algo que acho interessante. Quero fazer um bocado em termos de design do que como dar essa informação. No Twelve Minutes é muito importante que o jogador se sinta confortável em termos do resultado do que irá acontecer. Se eu começasse a brincar com a timeline além do fato de você estar em um loop, acho que iria complicar a experiência. 

O jogo está lá, mas depende muito da tua interpretação sobre o que acontece. Por isso deve haver uma constante de modo em que, quando acontecerem coisas que você não espera, você sabe planejar a forma que você vai lidar. 

Um jantar “em família” vira uma noite que mudará a vida do casal. (Captura de tela/Bitniks)

Como funciona a interação do personagem com os objetos desse cenário fechado?

O reset é 100%. A única coisa que não reinicia são as memórias do seu personagem. Ou seja, se o policial entrar no apartamento, no loop seguinte pode avisar para sua mulher que ele está vindo. Pode pegar algo que você disse no loop anterior e você dirá antes, ou mais rápido.

Em termos de interação… sou grande fã de jogos point and click como Day of the Tentacle, mas eles têm um aspecto de ser aleatório. Chega uma altura em que você fica perdido, começa a misturar os objetos para ver o que vai acontecer e, por exemplo: há uma janela e você tem a ferramenta para abri-la, só que antes da ferramenta você não pode interagir. Ou seja, você não sabe muito bem o que pode ou não fazer. Quando você joga um first person shooter, não pensa em largar a arma e pegar uma pedra no chão. Você sabe que a arma está “colada” na suas mãos.

O Twelve Minutes cria um vocabulário assim, onde você sabe exatamente quais são os elementos que pode usar. Tudo o que pode pegar e colocar no bolso você pode combinar. Um copo d’água pode ser só isso, você pode enchê-lo na torneira, se você interagir com sua mulher você oferece esse copo. Então em cinco minutos você sabe de tudo o que está no apartamento e tudo que pode usar. Nada vai alterar até o fim do jogo.

Mesmo que o jogador saiba de tudo, o personagem ainda não sabe, certo? Logo, em teoria… não é possível fazer um speedrun do jogo?

Como você disse, há certas coisas que o personagem não sabe, mas há coisas que você (jogador) sabe que podem te ajudar a avançar na história. O conceito de speedrun depende do que é tratado como o fim do jogo. Esse jogo não é linear como Super Mario, onde é só chegar ao fim do nível, então é diferente em termos de “o que é completar o jogo”. Por isso o speedrun precisará ser definido pelos jogadores em si. Estou muito curioso para saber como vão definir isso.

Até quem não for um gamer “hardcore” vai conseguir jogar Twelve Minutes sem problemas?

Sim, pessoas que não jogam muito têm uma experiência mais positiva do que jogadores hardcore. Quem joga bastante pegava o jogo, pega todos os objetos e já começa a combinar [imita barulho de metralhadora], depois o loop reinicia e tudo volta a zero. Enquanto isso, os “não-gamers” tentam mais interpretar a situação, tentam lidar com as coisas. Quando o policial chega, uma pessoa que não joga muito nem vai trancar a porta. Enquanto isso, quem é gamer pensa mais “bem, o objeto que tenho aqui que o desenvolvedor pensou que posso utilizar” e etc. O jogo está criado para ser super fácil. Você pega o mouse, mira onde você vai. Qualquer pessoa que saiba usar o mouse vai poder jogar. A ideia é como um filme: é curto, a princípio será satisfatório e também super acessível. 

Há pouco tempo, assisti uma gameplay bastante extensa, de uma versão bem antiga do jogo quando você deu uma entrevista ao Greg Miller (no Kinda Funny). Além da arte e das vozes, claro, o quanto mudou da versão do jogo daquele tempo para versão de hoje?

Além de refinar arte e visuais, acho que houve poucas coisas. Em termos de esqueleto do jogo, os apartamentos, personagens, os beats da narrativa, são os mesmos. O que mudou foi mais o modo como as coisas são comunicadas, em termos de… por exemplo, o que falávamos do Westworld. À medida que o jogo estava se desenvolvendo, especialmente quando os atores entraram, existe uma empatia pelos personagens. É algo extremamente importante.

A empatia pelo jogo onde você pode ser um idiota com sua mulher, às vezes pode brincar com a luz, tentar incomodá-la, mas deve haver uma relação entre os personagens de modo em que ela não fique chateada com o que você fizer. E você quer ajudar os personagens. Então foi este processo de perceber qual é a relação entre os personagens e quem eles são, de modo que a experiência em si seja orgânica e flua bem em relação aos desafios que temos no jogo. 

A interação inteligente entre itens, atmosfera e a arte são o ponto forte do game. (Captura de tela/Bitniks)

Você tem uma longa carreira em outros estúdios e em outros jogos, na Rockstar, na Ubisoft, fazendo também The Witness (na Thekla Inc.). Alguns criadores de games podem ficar marcados por um estilo de arte ou por um gênero de jogo. Um exemplo é o Josef Fares, o diretor de cinema que foi fazer jogos cooperativos. Você tem esta vontade de ser marcado, seja pela arte ou pelos jogos do gênero thriller?

Bem, nunca pensei nisso.

Uma coisa que gosto na indústria dos jogos, que me fez continuar nela… na Rockstar fiz Manhunt (stealth), depois Midnight Club (de corrida), na Ubisoft fizemos o de dança, então para mim é refrescante mudar completamente. Em The Witness é um puzzle, descontraído. Twelve Minutes é mais um thriller. Eu gosto de mudar o que faço constantemente. Há uma exploração que quero fazer, neste aspecto de narrativa, mas não sei. A resposta a essa pergunta é o tempo que vai dizer. Faço ideia do que quero fazer, mas não sei se farei mesmo. Não tenho ideia do que vai acontecer!

É um gênero que gosto, não há dúvida. Acho que existe muito a se explorar nessa área, dentro de videogames. Gosto disso. Nesse sentido, então sim. Provavelmente o próximo jogo que fizer pode ser nesse gênero. Sou só uma parcela do que outros construíram no passado [com os jogos point and click]. O aspecto de haver uma certa liberdade na fluidez, da forma de como a narrativa vai, acho que há mais liberdade do que normalmente, neste tipo de jogo.

Você já teve um cast de Hollywood pra Twelve Minutes, mas dentre roteiristas e diretores, com quem você gostaria de trabalhar e conhecer?

Yeah, yeah, yeah, têm bastante! [risos] Um deles é Roger Deakins, adoraria falar com ele, a maneira de pensar, como ele faz as escolhas nos visuais. Spielberg, claro, adoraria falar muito. O Spielberg criou o blockbuster. Todos os filmes dele têm essas camadas… a cada cena há 4 ou 5 coisas acontecendo, que você pode não perceber, mas funcionam na narrativa, também a câmera e o movimento dela. David Fincher também, adoro o trabalho dele. [Denis] Villeneuve tem feito filmes que acho super interessantes. É mais falar com eles e conhecer a filosofia deles, o modo de pensar e por que eles fazem certas decisões. 

Por fim: vi no seu site que há várias páginas de quadrinhos, todas feitas por você, que nunca foram publicadas. Há algum plano para expandir o universo de Twelve Minutes para outra mídia, como quadrinhos ou animação, de repente?

São coisas antigas, muito antigas! [risos] Houve conversas sobre isso, com pessoas que demonstraram interesse. Primeiro temos, claro, que ver se as pessoas gostarão do jogo, se o público em geral se relaciona e se vale a pena continuar a expandir o conceito. Existem certos elementos do jogo que funcionariam em outras mídias e coisas que podem ser exploradas de outras maneiras, também. Acho que sim, só depende de como o pessoal vai reagir.


Twelve Minutes foi lançado para PC (Steam) por R$ 51,99 e para Xbox One, Series X e Series S por R$92,45 – também disponível via assinatura do Game Pass.