Politico foi comprado por um US$ 1 bilhão ao mostrar que pessoas pagam por informação que dá dinheiro.
A notícia neste momento já se tornou até um pouco velha, mas foi pouco comentada: no último dia 2, o grupo alemão de mídia Axel Springer anunciou que estava comprando o Politico, site americano de notícias sobre, bem, política, por nada menos que US$ 1 bi.
Como aconteceu há duas semanas, deu tempo de digerir um pouco a operação. O que chama a atenção: em primeiro lugar, o valor, claro; em segundo, o comprador; em terceiro, é importante entender o que a venda representa para o mercado de mídia do ponto de vista dos valores e do modelo de negócio.
Para quem não conhece o site, o Politico foi fundado em 2007 por dois jornalistas que até então trabalhavam no Washington Post. No início, havia uma edição impressa, distribuída gratuitamente a congressistas e influentes em geral em Washington – que é publicada até hoje, aliás. O que chamava a atenção de todos em 2007 eram principalmente duas coisas: a nova publicação tinha dinheiro disponível e prometia ter repórteres em todos os lugares; e estes repórteres sempre traziam consigo uma câmera de vídeo.
A edição impressa foi importante para chegar à velha guarda, assim como gerar alguma receita no primeiro momento. O conteúdo, porém, chegava ao público de diversas maneiras: desde 2007 o Politico tem uma newsletter matinal, por exemplo.
O pulo do gato para o Politico, porém, veio em 2010, com o lançamento do Politico Pro. Em vez de colocar um paywall em todo o conteúdo, como o New York Times, a publicação resolveu que boa parte do conteúdo seguiria grátis, mas que a parte mais exclusiva iria pra baixo de um guarda-chuva diferente, e esta sim, ia custar caro.
O que diferencia o conteúdo do Politico Pro do conteúdo normal não é qualidade, é foco, interesse. Uma das teses mais testadas do mercado de mídia americano é que as pessoas podem até pagar por conteúdo, mas não qualquer conteúdo. O que quase nunca falha: paga-se por conteúdo quando ele faz diferença para os negócios. É essa a mágica que o Politico conseguiu produzir.
Diferentemente de muitos negócios de compra e venda feitos no mundo hoje em dia, não é difícil enxergar onde o Politico vale US$ 1 bi: uma empresa que fatura US$ 200 milhões e tem margens de 30% justifica de alguma maneira este valor, ainda mais quando o negócio está em crescimento. Cerca de metade da receita vem do Pro, e é provável que seja daí que os novos donos queiram tirar mais dinheiro.
O comprador do Politico é o grupo alemão Axel Springer, que já era sócio do Politico europeu. O grupo é dono de duas importantes publicações na Alemanha: o Die Welt, um jornal tradicional, fundado em 1946 sob a inspiração do britânico The Times; e o Bild, o jornal mais vendido da Europa, que é o contrário disso: um tablóide tablóide, sensacionalista, fofoqueiro e inflamatório.
O que chama a atenção, porém, são as compras: nos últimos anos, o grupo já havia adquirido o Business Insider e a newsletter Morning Brew, entre outras publicações. Como observa Jessica Lessin, do Information, em sua newsletter na semana da compra, a aquisição sinaliza uma consolidação no mercado. Consolidações trazem vantagens para quem consolida, é claro, mas podem trazer junto uma redução no número de vagas, assim como um desincentivo ao surgimento de novos negócios.
Do ponto de vista do modelo de negócios do Politico e o que sua venda representa para o mercado, o mais importante provavelmente é entender porque o modelo do Politico Pro deu certo, e o que isto pode significar para o jornalismo.
A sacada do Político foi entender que não existe um só tipo de informação, e que tipos diferentes de informação têm valores diferentes para agentes diferentes. Quando publicamos a revista ESPN no Brasil, tive acesso a algumas informações estratégias da ESPN americana e essa foi uma das quais me chamou a atenção: um dos principais motores de assinaturas do Insider, o paywall do site do canal, eram as dicas de “fantasy”, os modelos para o Cartola e outros jogos parecidos. As pessoas aceitavam pagar, desde que vissem o valor. Ter acesso a uma análise de que o jogador A ou o jogador B poderia trazer mais pontos para o time do assinante era algo que ele valorizava, e estava disposto a gastar dinheiro para ter isso.
O que pode te trazer dinheiro justifica que você gaste seu dinheiro. O Politico entendeu quem tinha dinheiro para gastar com informação política, mas também entendeu que tipo de informação política tinha valor para este público. Uma empresa ou entidade da sociedade civil tem que ter as melhores informações disponíveis para tomar decisões. Isto vale dinheiro.
(Um disclaimer importante: no Brasil, o Jota tem um modelo parecido com o Politico. Não falamos mais sobre isso por motivos de interesses cruzados: em outras instâncias da vida, participo de uma empresa que tem uma pequena participação no Jota.)
O que é inegável, porém, é que o Politico encontrou um modelo, que mistura conteúdo de qualidade gratuito com conteúdo especializado pago. É um modelo que demanda tempo e dinheiro para ser implantado, e que tem peculiaridades. Ainda assim, é um modelo que vale US$ 1 bi.
João Sayad era primo do meu pai. Nunca foram próximos até que em 1982 começaram a trabalhar juntos, e nossas famílias se aproximaram. Foi uma das maiores influências intelectuais e políticas que eu tive na vida, de diversas formas. Secretário de Franco Montoro durante o começo da redemocratização, ministro de Sarney e depois secretário de Marta Suplicy e de José Serra, o “tio João” navegou entre as duas forças que dominaram a vida política do país até 2018 como poucos conseguiram. Ele podia: dono de um espírito público único, nunca esteve a serviço desta ou daquela força política mas sim da sociedade como um todo.
João Sayad nos deixou no domingo, 5/9. A dica de hoje é: dê um google e leia seus livros e artigos, conheça um pouco mais de sua vida.
Descanse em paz, tio João.
A opinião do colunista não necessariamente representa o posicionamento do Bitniks.