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Quais os interesses de Bolsonaro para barrar os repasses de conectividade na educação básica?

Como realizar algumas atividades, principalmente escolares, se metade dos lares mais pobres do país não tem acesso à internet?

28 de julho de 2021

Opinião

Recentemente, o governo do presidente Jair Bolsonaro abriu uma ação no Supremo Tribunal Federal para tentar barrar os repasses de recursos de ações de conectividade previstas na Lei 14,172/21. Esta lei surge para promover a redução de danos na educação, sobretudo em decorrência dos efeitos da pandemia e medidas de distanciamento social em que as aulas presenciais foram suspensas e o ensino remoto tornou-se a principal via para a continuidade do processo de aprendizagem. 

A proposta prevê o repasse de R$ 3,5 bilhões do FUST (Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações) para os estados e municípios, e têm como objetivo garantir acesso à internet para professores e alunos da educação básica das redes públicas de ensino. Não é a primeira vez que o governo federal tentar impedir a concretude da lei: em junho, Bolsonaro vetou a proposta inteira e a decisão foi revertida no Congresso. Agora, o presidente alega inconstitucionalidade e a não existência de uma calamidade pública que justifique o repasse.

O Brasil, antes mesmo da pandemia, já vivia seu techno-apartheid. Segundo dados da TIC Domicílios 2019 do CGI (Comitê Gestor da Internet no Brasil), 71% dos lares brasileiros possuem acesso à internet, o que representa, em números absolutos, cerca de 50,7 milhões de domicílios conectados. Embora a proporção de conectividade tenha aumentado no decorrer dos anos, as classes DE sendo as que tem menos acesso à internet em casa (50%), dentre as razões o valor do serviço é citado por 59% como principal fator de dificuldade para se ter internet em casa.

O CGI também publicou recentemente o relatório Painel COVID-19 – Pesquisa web sobre o uso da Internet no Brasil durante a pandemia, feita com usuários de internet brasileiros com 16 anos ou mais. Segundo dados da pesquisa, como já esperado, ocorreu um aumento de uso de internet no período de distanciamento social, principalmente em atividades como comunicação, busca de informações e serviços (como telessaúde e serviços públicos ao trabalhador), educação e trabalho. Mas como realizar essas atividades se metade dos lares mais pobres do país não tem acesso à internet?

Dados Pesquisa Painel COVID-19 | Cetic

A pesquisa A voz dos alunos, realizada pela organização Visão Mundial, ouviu crianças de 7 a 11 anos matriculadas no ensino fundamental I da rede pública de ensino, e teve como objetivo saber dessas crianças quais suas percepções sobre a educação no contexto de pandemia. O estudo retrata que, das 688 crianças entrevistadas, 41 (6%) não tiveram acesso às aulas. Já as que tiveram condições de acompanhar as aulas de forma remota, o acesso à internet foi um problema recorrentemente relatado para 59% delas. 

Já em pesquisa realizada pela a União dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) com apoio da Unicef, 48,7% das redes municipais de ensino registraram muita dificuldade para o acesso de estudantes à internet e 24,1% para o acesso de docentes, sobre o retorno às aulas presenciais, 40% das redes reportaram inadequação quanto ao acesso à internet nas escolas.  

Não sei exatamente qual é o conceito de calamidade pública da qual Bolsonaro se resguarda. Mas, além da má gestão da pandemia no país, negligência na aquisição de vacinas e desserviços discursivos que impactaram diretamente no comportamento inadequado quanto à segurança coletiva por parte de uma parcela da população, o governo ainda joga contra as propostas de redução de danos das mais variadas consequências deste nefasto período do país (e que vale dizer, longe de ser superado). 

O direito à igualdade de acesso e à educação de qualidade são fundamentais para o desenvolvimento da sociedade e é dever do estado garantir os meios. Quais são os interesses de Bolsonaro para barrar os repasses de conectividade na educação básica? Enquanto isso, a dívida das Teles para a Anatel transita por volta de R$ 4 bilhões (o repasse do FUST é de R$ 3,5 bilhões) e presidentes de grandes operadoras de telefonia participaram, em meio à pandemia, de reuniões de “grandes empresários” com o presidente para pressionar pela abertura dos comércios e serviços.  

Tais Oliveira é mestre e doutoranda em Ciências Humanas e Sociais na UFABC e pesquisa sobre tecnologia, sociedade e relações étnico-raciais.