Ciência

Base de Alcântara: mesmo em um dos melhores pontos para lançamentos espaciais, o Brasil não decola

22 de julho de 2021

Em 1979, foi aprovada a Missão Espacial Completa Brasileira (MECB), que tinha como objetivo permitir que o Brasil tivesse seu programa espacial completo. Havia um porém: o Centro de Lançamento da Barreira do Inferno (CLBI), no Rio Grande do Norte, não suportava lançamentos de veículos de grande porte. Assim, surgiu a proposta para a construção do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA), no Maranhão, que realizou a sua primeira operação em dezembro de 1989. Hoje, a base é vista como uma das mais bem posicionadas no mundo. Mas há muitos obstáculos na base.

Alcântara tem um histórico conturbado, que inclui conflitos com quilombolas que vivem na região há 200 anos e que seriam expulsos, a explosão de um foguete que resultou na morte de 21 pessoas e uma longa jornada de negociações com os Estados Unidos.

Com o Acordo de Salvaguardas Tecnológicas (AST) assinado por Donald Trump e Jair Bolsonaro em 2019, a esperança da Agência Espacial Brasileira (AEB) — que sofreu um corte de R$ 1,2 milhão em seu orçamento no mês de abril de 2021 — é que o CLA comece a receber recursos de empresas privadas e de outros países. 

No final de abril, a AEB anunciou que três empresas norte-americanas (Hyperion, Orion AST e Virgin Orbit) e uma canadense (C6 Launch) haviam sido selecionadas por meio de um edital para o lançamento de veículos espaciais orbitais e suborbitais de Alcântara. O principal discurso utilizado pela agência espacial brasileira para atrair os investimentos são os benefícios oferecidos pelo CLA, principalmente em termos de localização.

Apesar de as vantagens técnicas e econômicas existirem de fato, algumas limitações do centro de lançamento também podem representar um obstáculo para o objetivo final do governo de que o Centro Espacial de Alcântara (que abrange o CLA e o CLBI) ocupe pelo menos 1% do mercado global do setor

As vantagens do Centro de Lançamento de Alcântara

Uma das características mais celebradas quando o assunto é Alcântara é a sua posição geográfica privilegiada. Localizado a 2º18′ sul da linha do Equador, o CLA permite aproveitar a velocidade de rotação da Terra, como se o planeta ajudasse a dar um “empurrão” no foguete. O resultado disso é uma economia de até 30% de combustível, permitindo lançar cargas maiores ou utilizar um foguete menos potente, conforme explica José Dias do Nascimento, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e pesquisador associado ao Centro de Astrofísica de Harvard. “É um local perfeito para depositar um satélite de comunicações ou uma sonda de vigilância que precisa olhar para a mesma região do planeta o tempo todo.”

De fato, vale ressaltar que o benefício geográfico de Alcântara não se aplica a todos os tipos de lançamento, mas principalmente para aqueles de órbita mais baixa, segundo Oswaldo Loureda, fundador da startup espacial brasileira Acrux:

“O CLA tem grandes vantagens de incremento de velocidade para satélites injetados em órbitas geoestacionárias (GTO e GEO), assim como cargas que irão para a Lua, ou mesmo para o ambiente interplanetário, notadamente por meio de veículos pesados ou super pesados. Ainda mantém essa vantagem para satélites que irão ser posicionados em órbitas equatoriais de baixa inclinação. No caso de satélites de observação, monitoramento, climáticos entre outros que usam órbitas de alta inclinação ou órbitas sincrônicas com o Sol (SSO), o CLA não oferece essa vantagem de incremento de velocidade”. 

Considerando que grande parte dos lançamentos de clientes estrangeiros são a SSO, Loureda acredita que a vantagem técnica oferecida por Alcântara não se sustenta por si só. Um dos principais diferenciais do CLA, segundo ele, é o baixo custo operacional.

Ao alugar uma plataforma para um lançamento,o valor é cobrado em forma de diárias. É possível adicionar o uso de equipamentos, como sistemas de radares e de comunicação, por um valor extra, de acordo com Marcelo Essado, diretor e cofundador da EMSISTI, empresa de sistemas aeroespaciais e tecnologia. 

Loureda explica que, em média, são necessários seis dias para realizar um lançamento — isso pode variar de acordo com o tipo de foguete e as características da missão. O problema é que nem sempre as condições são ideais para que tudo aconteça nas datas planejadas. O clima e o vento, por exemplo, são apenas alguns dos fatores que devem estar alinhados a favor de um lançamento, o que nem sempre é fácil de prever.  

“É muito comum você carregar o foguete até a plataforma, mas não conseguir lançar por alguma restrição. Às vezes, leva uma semana ou duas e você fica pagando a diária tanto do aluguel da plataforma como o salário da equipe de cerca de 100 técnicos que são necessários”, conta Loureda. Ele cita como exemplo a base do Alasca, que também oferece preços atrativos, mas que só tem disponibilidade para realizar lançamentos durante 40 dias no ano devido às péssimas condições climáticas. 

Alcântara, por outro lado, conta com um clima estável, previsível e favorável a lançamentos. Além disso, a região apresenta um baixo tráfego marítimo e aéreo nas chamadas “Zonas de Livre Evolução” (ZLE), que é onde os veículos voarão. Isso significa também uma maior disponibilidade de dias para agendar as operações e menores riscos de imprevistos. 

O Brasil não é o único a oferecer essas vantagens, no entanto. A Guiana Francesa já realiza lançamentos significativos e, estando localizada próxima a Alcântara, também conta com uma posição geográfica privilegiada. Ainda assim, Essado, da EMSISTI, acredita que o CLA não é um concorrente direto do Centro Espacial de Kourou. “Na base de Alcântara não tem como lançar foguetes muito grandes como em Kourou. Isso também abre portas para o Brasil realizar os lançamentos pequenos e médios, já que seria muito mais barato lançar um foguete de órbita baixa de Alcântara do que da Guiana Francesa.”

Mas se o CLA já existe há tantos anos e apresenta tantas vantagens, por que não vemos a SpaceX trazendo seus foguetes para fazer lançamentos do Brasil? Ou ainda: por que o próprio Brasil, quando precisou lançar um satélite, foi até a Índia?

As limitações do Centro de Lançamento de Alcântara

Caso você não se lembre, em 2018, o governo brasileiro chegou a anunciar que a empresa de Elon Musk tinha demonstrado interesse em Alcântara. Logo depois, um porta-voz da companhia deixou claro que isso não era verdade. A Boeing e a Lockheed Martin chegaram até a visitar o local, mas não confirmaram nenhum plano concreto para utilizar a base na época.

Antes que qualquer país ou empresa pudesse utilizar o CLA, o Brasil teria que primeiro assinar o Acordo de Salvaguardas Tecnológicas com o objetivo de proteger a tecnologia norte-americana presente em foguetes e satélites que decolassem da base. O primeiro passo já foi dado, e o governo diz que muitas empresas têm demonstrado interesse no CLA, o que, teoricamente, nos aproxima da expectativa da AEB de arrecadar US$ 10 bilhões por ano com o mercado espacial em 2040. A preocupação, no entanto, é se vamos conseguir realmente atrair a iniciativa privada e outros países apenas com uma posição geográfica privilegiada e preços mais baixos.

Mesmo que o benefício da economia de combustível só se aplique aos lançamentos de órbita mais baixa, empresas que realizam missões maiores, como a SpaceX, poderiam aproveitar os baixos custos para alugar as plataformas de Alcântara, certo? O problema é que, além de ainda não suportarmos foguetes de grande porte, a região carece de uma série de recursos necessários para oferecer o apoio que uma atividade tão complexa como o lançamento de um foguete requer.

“Alcântara tem somente uma infraestrutura mínima”, afirma José Dias Nascimento, professor da UFRN. Para que o Brasil se tornasse realmente competitivo com o CLA, seriam necessários mais investimentos e tempo suficiente para instalar serviços e formar profissionais. Segundo Nascimento, “perdemos o bonde, ainda mais agora que missões para  órbitas geoestacionárias têm apresentado uma desaceleração recente no mercado”. Com isso, o que o país tende a atrair são as empresas pequenas, que ainda apostam no lançamento de satélites de órbita baixa, e que buscam preços reduzidos.  

Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

Mesmo para essas empresas, seria necessário colocar na ponta do lápis todos os custos associados a realizar um lançamento de Alcântara. Desde os gastos com o transporte de um foguete até mão de obra e outros serviços básicos, o cálculo final pode acabar não compensando tanto assim. Para Oswaldo Loureda, da Acrux, viabilizar lançamentos significa investir não apenas no centro de lançamento em si, mas em toda a região de Alcântara:

O ponto mais falho é a falta de subsídio para o desenvolvimento de um parque tecnológico. Alcântara não tem universidade, não tem mão de obra, não tem nada de estrutura. Para lançar um foguete, você depende de uma White Martins para fornecer oxigênio; depende de máquinas, manutenção, mão de obra técnica, serviços de eletricidade.

Essas limitações podem representar um obstáculo significativo para os planos do governo de atrair investimentos. “Neste momento que acontece o anúncio de editais para exploração [do CLA], o que se percebe é que o Brasil quer atrair investidores sem dar as condições mínimas”, afirma Nascimento.

Já Marcelo Essado, da EMSISTI, tem uma visão mais otimista e acredita que estamos indo no caminho certo. “Nós temos essa competência para fazer o que tem que ser feito; a base já foi toda reformada, ela está pronta. Agora, tem que começar a operar de fato, realizar lançamentos; precisa fazer a roda girar.”

Em maio, a AEB divulgou um Aviso de Consulta Pública para que as pessoas possam participar da atualização dos regulamentos do Centro Espacial de Alcântara. Disponível durante 30 dias na Plataforma Mais Brasil, o objetivo é convidar a sociedade a opinar sobre os novos regulamentos após os acordos firmados com empresas.

Os primeiros lançamentos privados devem ocorrer em algum momento entre o final deste ano e início do ano que vem. Ainda é cedo para dizer se o CLA realmente vai conseguir entregar o que promete e talvez muitas empresas estejam esperando que essas missões iniciais ocorram antes de apostar em Alcântara. Para Essado, a aproximação entre governo e iniciativa privada em si já é uma conquista:

O programa espacial brasileiro está quebrando paradigmas atualmente com essa mudança de cenário de atores, com a indústria privada chegando em forte atuação. Então, eu vejo que a busca por cooperações entre governo, empresas consolidadas e startups é o início de uma nova era para o Brasil.