Após a guerra nuclear, onde os homens conseguiram a proeza de destruírem a si mesmos, a humanidade foi extinta. Grandes cidades como Luanda, Nairóbi e Cairo, simplesmente desapareceram. Seres humanos e animais não sobreviveram às bombas. Em fração de segundos, desapareceram. O mesmo aconteceu com os insetos, incluindo as baratas.
Era óbvio que isso poderia acontecer. De um lado, grandes governos fabricavam provas e criavam acusações gravíssimas para os que estavam do outro lado da fronteira. Tais falácias serviam muito bem para a invenção de guerras e invasão de territórios. Sob o pretexto de “guerra contra o terrorismo”, o mundo sucumbiu.
Para que as estratégias funcionassem em escala mundial, seria necessário pensar localmente. A primeira ação seria ativar o ethos nacional: a ideia de que uma cultura é melhor do que as outras.
A história que poderia ser apenas um videogame blockbuster deu super certo. Em tom de imponência, grupos de pessoas levantaram com orgulho suas bandeiras. “Esse país é meu!” – gritaram.
A internet funcionou como uma espécie de camuflagem. Não foi muito difícil contratar robôs para fazer o trabalho sujo. Hora de espalhar as fake news. Afinal, não tem coisa que os robôs mais gostam do que dinheiro. Com bufunfa, eles podem fazer upgrades maneiros, e até contratar alguns humanos para escrever novos códigos. Códigos que criam novos códigos, ou a tal da inteligência artificial.
Medo. As pessoas ficaram com medo. Medo de mim. Medo de você. Medo do outro. Medo de grupos étnicos, religiosos e culturais diferentes. E também ficaram com uma sensação enorme de insegurança.
Mais algumas pitadas disso ou daquilo, e a receita explosiva ficou pronta. A mistura de diferentes culturas, amplificada pelo fenômeno da globalização, acabou provocando um movimento reacionário, purista, de limpeza étnica. Ora, se essas pessoas não são como nós, elas precisam ser excluídas. Óbvio! Bichas, putas, pretos e favelados: saiam do meu país! Vocês não possuem os mesmos direitos que nós, os cidadãos do bem.
Foi assim, com apoio de parte da população, que bombas foram lançadas. Dessa vez, não foi possível adiar o fim do mundo.
Todas essas memórias ainda estão vivas. Ao menos com você. Pela terceira ou quarta vez, você é despertade de um grande sono. Um sono muito profundo, de mais de duzentos e cinquenta anos. Antes mesmo de se levantar de algo que parecia com uma cama, você se lembra de como tudo aconteceu.
Nas outras tentativas de despertar, você acabou surtando. Não é fácil acordar em um lugar estranho, completamente diferente, e saber que você foi uma das únicas pessoas a serem colocadas em estado de espera. Toda a gente que você conhecia se foi, somente algumas memórias permaneceram. Na iminência de tirar a própria vida, os Oankali, seres extraterrestres que te “salvaram” da grande guerra nuclear, rapidamente lhe colocavam novamente para dormir por mais algum tempo.
Você foi abduzide.
Entre o abrir de olhos e um breve período de adaptações para se viver em uma grande espaçonave orgânica, você descobre sua grande missão: acordar mais quarenta pessoas, as quais voltarão à Terra para recomeçar.
Animais e insetos voltaram a habitar a Terra através de um avançado sistema alienígena de reimpressão de DNA. Aos poucos, as grandes cidades que conhecíamos deram lugar às florestas. Os livros desapareceram, assim como todos os registros do conhecimento humano. Restaram os saberes orais, cujas marcas permaneceram nas poucas pessoas que foram colocadas em estado de suspensão.
Dentro de uma espécie de parede, dormem as únicas sobreviventes da humanidade. Depois da adaptação, você recebe dos Oankali o poder de abrir as paredes através do toque de suas mãos, despertando aqueles que estão em sono profundo. Junto com essa modificação em seu DNA – parcialmente consentida -, você recebe o dossiê que contém o histórico de oitenta pessoas, das quais deverá escolher apenas metade.
Os dossiês são bem completos. Eles foram escritos pelos Oankali. Durante mais de uma centena de anos, eles estudaram comportamentos, atitudes, necessidades biológicas e sociais dos humanos. Embora os registros da humanidade tenham desaparecido, todas essas informações reeditadas pelos alienígenas agora estavam em suas mãos.
Sim, você foi escolhide para desenvolver essa missão tão importante. De alguma forma, os Oankali escolheram você, justamente você, para ajudar-lhes nesta quest. Por que eles te escolheram? Não tenho a menor ideia. Diga-me você!
Qual seria sua lista? Pessoas famosas? Políticos? Gente do seu bairro?
Quem você despertaria?