Com mudanças pontuais e bastante discurso de empoderamento e discussão sobre gênero, Cinderella ainda inova pouco, mas agrada.
Se você é um amante de filmes de princesas, já deve saber que o novo live-action de Cinderella estreou no Amazon Prime no dia 3 de setembro. Mas, se espera encontrar um ‘amor desses de cinema’, esse não é o filme.
Na adaptação feita do clássico do escritor francês Charles Perrault, “La gatta cenerentola”, ou Gata Borralheira na tradução livre, a obra dirigida por Kay Cannon, conhecida por escrever e produzir a série de filmes Pitch Perfect (2012), flerta com o feminismo, o empreendedorismo e a contemporaneidade.
Confesso que estava ansiosa para o lançamento, principalmente para acompanhar a primeira vez da cantora pop Camila Cabello, que interpretou Cinderella, no novo longa. O Príncipe Robert foi Nicholas Galitzine, que teve papel importante na série de terror da Netflix, Chambers.
A experiente Idina Menzel, cantora, atriz e compositora, dubladora da Elsa em Frozen, e parte do elenco de Glee foi escalada para o papel de Vivian, a madrasta – que de acordo com Cannon, não é nem um pouco ‘má’. O time dos veteranos também conta com a Rainha Beatriz estrelada por Minnie Driver, fada doméstica no filme Ella Enchanted (2004) e o majestoso Pierce Brosnan, destaque pela atuação como James Bond (1995 – 2002) como Rei Rowen. E claro, Billy Porter, ator e cantor americano que roubou a cena e bancou o papel da Fab G.
Tudo no filme acontece em cenários musicais muito bem preparados, mas que não conseguem envolver ou transportar o público como pretendido. O que vale muito a pena é a performance de “Dream Girl” em que todas as mulheres, lideradas por Vivian, se juntam para cantar sobre o sufocante sexismo social que suportaram.
Algumas adaptações de hits foram interpretadas com maestria, como o cover de “Perfect” do Ed. Sheeran ou “Am I Wrong” de Nico & Viniz. O mashup de “Seven Nation Army” do White Stripes e “What A Man” do Shoop é um dos melhores arranjos do filme. Apesar disso, boa parte das cenas musicais são exaustivas e nem sempre fascinantes.
A narrativa começa com o famoso ‘Era uma vez’, e o resto você já sabe. Uma menina chamada Ella perdeu a mãe quando era muito jovem. Seu pai casou-se novamente e também faleceu. Criada por sua madrasta Vivian e acompanhada de suas meias-irmãs, a jovem era tratada como uma serva, fazendo café da manhã e realizando as tarefas de casa. Por viver confinada em um porão e estar sempre suja de cinzas (cinder, em inglês), que às vezes manchavam sua pele, Ella foi apelidada de Cinderella.
Sonhadora e gentil, Ella sonha em deixar o porão e entrar no mundo da moda como costureira. Contudo, os tempos não são propícios para uma mulher que se preocupa com a carreira, e os habitantes da cidade tampouco acreditavam nesse desejo.
Os vários elementos que você conhece estão lá: o príncipe que vai se apaixonar, o baile em que Cinderella vai ter sua chance, a madrinha malvada etc. Há mudanças pontuais, como o fato de o príncipe conhecer Ella antes do bailer e a madrinha ter sua maldade justificada — além de muito espaço para discursos sobre gênero e empoderamento.
Na adaptação de Cannon, a ‘fada madrinha’ é uma lagarta que Cinderella cuidou e que se transformará em borboleta ao longo do filme. A estrela da vez é Billy Porter – ator assumidamente gay que entra e rouba a cena para transformar a noite de Ella. A inovação aqui é um personagem negro (mesmo não sendo a primeira vez – vide Whitney Houston em Cinderella de 1997) e pessoa não-binária, usando um vestido chamativo e sapatos de salto alto num conto infantil.
Sem abóbora ou cavalos brancos, Cinderella vai ao baile na companhia de seus três ratinhos que fizeram parte de sua vida enquanto estava confinada no porão e sem se preocupar em encontrar com o príncipe, ela só quer conhecer alguém que esteja interessada em comprar seus vestidos.
O filme conta uma história familiar com algumas mudanças que públicos específicos, provavelmente os espectadores mais jovens, devem ser capazes de desfrutar. Acontece que, no final, nada disso é único ou mesmo envolvente da maneira que tinha potencial para ser. Em vez disso, Cinderella foca no humor – que raramente funciona – e no plot twist de largar o sonho de viver um “happy ever after” para ser uma mulher empreendedora.
Há muito um esforço de modernização, que é sempre uma forma potencialmente interessante de abordar um conto popular, mas na verdade, Cinderella, como outros contos, não faz nada mais do que se adaptar ao seu tempo.
É difícil descrever algo com tantos toques negativos e positivos, mas é um bom passatempo como de fim de semana para ver com a criançada (a menos que você seja muito conservador).