Colunistas

Precisamos de perspectivas tecnológicas do Sul Global. Mas qual Sul?

Conheça pensadores africanos para ter uma perspectiva decolonial da tecnologia.

28 de maio de 2021

Nos últimos anos tem se popularizado eventos, disciplinas, cursos e publicações na área da tecnologia que evocam as “perspectivas do Sul Global” baseados em promessas de um olhar decolonial (ou descolonial ou pós-colonial), porém quase sempre são as mesmas referências, os mesmos nomes e as mesmas perspectivas hegemônicas de sempre.

Inclusive a própria falta de consenso e o infinito debate em relação ao conceito e aplicação dos termos “decolonial”, “descolonial” ou “pós-colonial” denuncia a falta de foco no que realmente importa. Em vez de passar horas a fio debatendo o conceito, que tal questionar as práticas acadêmicas que seguem eurocentradas, machistas, elitistas e fincadas no sistema da branquitude?

Quando há uma singela demonstração de interseccionalidade nos eventos, disciplinas, cursos e publicações ainda prevalece a política do “único representante”. A única pessoa não-branca, a única mulher, a única pessoa LGBTQI+ e assim por diante. A homogeneização de grupos tão plurais é tão violenta quanto seu apagamento.

Permanecer com os mesmos olhares e pontos de vista em situações que provocam a reflexão sobre novos modos de sociedade leva à reflexão sobre a necessidade de questionar os representantes de sempre, pois foram esses olhares que nos trouxeram até aqui e até as nossas problemáticas contemporâneas.

A ciência e o conhecimento oriundo do continente africano quase nunca são lembrados nestas atividades do “Sul Global” que se pretendem decoloniais. Deste modo, aproveito a celebração do Dia da África no último 25 de maio – data para recordar a luta por independência de países africanos – e este espaço para apresentar (ou relembrar) alguns pesquisadores da Ciência, Sociedade & Tecnologia que têm feito importantes contribuições para debates atuais.

Abeba Birhane (Étiópia): É doutoranda em ciências cognitivas no Complex Software Lab da University College Dublin na School of Computer Science. Sua pesquisa perpassa as relações entre tecnologias emergentes e os impactos sociais, políticos e econômicos na sociedade. Abeba também dá aulas sobre Pensamento Crítico e Ética em Dados, Inteligência Artificial para ciência de dados, Introdução à Ética e Pensamento Crítico. Entre suas principais publicações está o artigo Algorithmic colonization of Africa.

Artwell Nhemachena (Namíbia): É Doutor em Antropologia Social atua em áreas como Estudos Sociológicos e Antropológicos de Ciência e Tecnologia, Governança e Democracia, Transformações e Decoloniedades, entre outros. No livro Decolonising Science, Technology, Engineering and Mathematics (STEM) in an Age of Technocolonialism: Recentring African Indigenous Knowledge and Belief Systems do qual o professor é co-organizador, discute-se as noções de colonialidade da ignorância e geopolítica da ignorância como central para a colonialidade e colonização.

Ayodele James Akinola (Nigéria): Pesquisa, principalmente, em torno das Humanidades Digitais e a aplicação das Tecnologias de Informação e Comunicação para fins educacionais. No artigo Pragmatics of crisis-motivated humour in computer mediated platforms in Nigeria discute como o humor é mediado pela tecnologia e os impactos em aspectos sociopolíticos na Nigéria.

Edda Tandi Lwoga (Tanzania): É Professora Associada em Ciência da Informação no College of Business Education (CBE) na Tanzânia. Ela também é o Ponto Focal do País (CFP) do Acesso Digital à Pesquisa – Banco de Tecnologia das Nações Unidas na Tanzânia. Suas pesquisas têm como foco sistemas de informação, gestão do conhecimento, acesso aberto e dados abertos, TIC para o desenvolvimento, TIC e empoderamento de jovens e mulheres, ciência da informação e e-learning. Entre seus artigos mais citados está o New technologies for teaching and learning: Challenges for higher learning institutions in developing countries.

Francis B. Nyamnjoh (Camarões): Nascido em Camarões, atualmente é Professor nas áreas de sociologia, antropologia e estudos de comunicação da University of Cape Town. Suas pesquisas tratam de temas como globalização, mídia, identidade, mobilidade e uma de suas principais obras é o livro #RhodesMustFall: Nibbling at resilient colonialism in South Africa que discute problemas sociais existentes na África do Sul pós-apartheid e tem como base de análise o movimento Rhodes Must Fall liderado por jovens universitários.

Gado Alzouma (Nigéria): Professor de Sociologia e Antropologia na American University da Nigéria. Suas pesquisas são focadas em informação, comunicação e tecnologia para o desenvolvimento social. Em seu artigo Myths of Digital Technology in Africa: Leapfrogging Development? analisa criticamente as promessas de uma sociedadde tecnocentrista em torno do contexto social da África.

Rediet Abebe (Etiópia): É cientista da computação, atua especialmente com algoritmos e inteligência artificial e seus impactos sociais e raciais. Atualmente é Junior Fellow na Harvard Society of Fellows e Professora Assistente em Ciência da Computação na University of California. É co-organizadora do Mechanism Design for Social Good e co-fondudadora do Black in AI. Um dos seus artigos mais citados é o Using search queries to understand health information needs in Africa.

Sabelo J Ndlovu-Gatsheni (Zimbabwe): Professor especialista em Epistemologias do Sul Global com ênfase em África na University of Bayreuth, na Alemanha. Sabelo é um importante teórico descolonial com diversas publicações, dentre as quais The primacy of knowledge in the making of shifting modern global imaginaries, Coloniality of power in postcolonial Africa: Myths of Decolonization, The decolonial Mandela: Peace, justice and the politics of life, entre outros.

Sarah Chiumbu (África do Sul): Professora associada na Escola de Comunicação da Universidade de Joanesburgo, seus estudos são focados em mídia, democracia e cidadania, novas mídias, estudos de políticas, movimentos sociais, pensamento político africano, teorias descoloniais e pós-coloniais. Seu artigo mais referenciado, o Exploring mobile phone practices in social movements in South Africa–the Western Cape Anti-Eviction Campaign, trata do conjunto de novas práticas dos movimentos sociais a partir da popularização dos aparelhos celulares na África do Sul.

Tanja Bosch (África do Sul): Professora Associada de Estudos e Produção de Mídia na Universidade da Cidade do Cabo, na África do Sul. Recentemente publicou o livro Social Media and Everyday Life in South Africa onde investiga como as plataformas de mídias sociais e demais tecnologias se tornaram ferramentas cotidianas para os sul africanos.

A diversidade nas visões de mundo, a troca de experiências a partir de contextos similares, o conhecimento de referências para além do cânone padrão só tendem a agregar no urgente debate sobre Ciência, Sociedade & Tecnologia. Então, que façamos uso estratégico desta poderosa ferramenta que nos conecta. E viva a África.