Ciência

O ‘novo normal’ pós-pandemia: fobias sociais para todos os lados

Ansiedade, TOC e estresse pós-traumático são algumas das preocupações de especialistas

21 de julho de 2021

A pandemia de Covid-19 trouxe a necessidade de isolamento social para conter a propagação do vírus SARS-Cov-2, causador da doença. Grande parte da população passou a trabalhar em casa, ter aulas online e encontrar os amigos apenas por chamadas de vídeo. Porém, após mais de um ano confinados, é possível que o medo de sair de um espaço seguro se torne uma fobia. 

Em agosto do ano passado, precisei ir ao médico. Para chegar lá, tive que atravessar uma rua cheia de pedestres. Porém, no meio do caminho senti falta de ar e dor de cabeça — era uma crise de ansiedade que chegava pelo temor de me contaminar nesse meio tempo. Assim como eu, o estudante Victor Setti se acostumou com a bolha da própria casa. “Outro dia eu estava na rua e me assustei com o barulho do freio de um caminhão porque eu não lembrava que eles faziam esse som. Eu também acho estranho quando vejo pessoas em bares e restaurantes porque só consigo pensar como aquele ar é ‘venenoso'”, conta. 

Segundo uma pesquisa realizada pela Universidade de São Paulo (USP) entre onze países, o Brasil lidera os casos de depressão e ansiedade durante a pandemia. Dos 1,5 mil respondentes brasileiros maiores de 18 anos, 63% apresentaram relatos de ansiedade e 59%, sintomas de depressão. Um outro levantamento da Hibou, empresa de pesquisa e monitoramento de mercado, feito com 1,8 mil brasileiros em maio de 2021, revela que 79% considera-se estressado e 54% afirma chorar mais. Além disso, 53% dos brasileiros dizem que não se sentem em paz, 71% deixaram de dar risadas, e consequentemente, a maioria da população, 66%, está mais impaciente com outras pessoas.

Pós-pandemia e saúde mental

Enquanto alguns sentirão alívio com o fim do distanciamento, outros podem sofrer. “Quando lembro que a vacina está chegando na minha idade, me assusto um pouco. Sinto ansiedade ao voltar a conviver com aqueles que não são do meu círculo social mais próximo”, diz Setti. A professora do curso de psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), Patrícia Guillon Ribeiro, acredita que esse tipo de comportamento irá aumentar à medida que as restrições diminuírem.

As chamadas fobias sociais vêm junto com padrões de esquiva. Ou seja, há uma tendência de evitar o encontro com outras pessoas por falta de confiança e medo. “Iremos viver uma pandemia da saúde mental”, afirma Ribeiro. “Isso porque estamos voltando para um ambiente que não é mais conhecido. O fundamento é o fato de que podemos contrair o vírus pelo contato humano. E, ao voltar às atividades presenciais, não saberemos quem está se cuidando da forma correta”.  

No entanto, a condição não é a única que preocupa os especialistas. Segundo a psicóloga, o transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) relacionado à limpeza também pode aumentar ainda mais por conta dos estímulos, já que esta é uma forma de prevenção do novo coronavírus. “Não sei como vai ser quando eu precisar andar de transporte público novamente já que não consigo ter controle da higiene do local”, lamenta Ana Santos*. A diferença entre um cuidado comum e o TOC é a influência de pensamentos intrusivos. Ou seja, é a sensação negativa causada pela ideia de sujeira que necessariamente faz o indivíduo se limpar.

Já o psiquiatra Marcelo Daudt ressalta que os casos de estresse pós-traumático (EPT) também tendem a crescer. “Pode acontecer com pessoas que passaram esse momento de uma forma muito difícil. A partir de um gatilho que lembra a situação, ocorre uma sensação de reviver esse cenário. O EPT geralmente vem com evitação e sintomas físicos como taquicardia, suor e tremores”, relata. 

Se necessário, busque ajuda

Quando a situação sai do controle, esta é a hora de buscar ajuda. Atualmente, há grupos de apoio e de terapia gratuitos para amparar quem está sofrendo com ansiedade, depressão e outros transtornos psíquicos. Confira abaixo algumas iniciativas que podem ser úteis:

Centro de Valorização da Vida: o órgão realiza apoio emocional atendendo voluntária e gratuitamente todas as pessoas que querem e precisam conversar, sob total sigilo. O contato pode ocorrer por telefone, email e chat 24 horas todos os dias. Ligue 188. 

CREARE – Acolhimento psicológico online: o serviço é uma proposta social e tem como objetivo acolher e facilitar o suporte psicológico adequado nesse momento tão difícil. Saiba mais no site. 

Escuta Sedes – Rodas de Conversa On-line : as rodas de conversa visam possibilitar algumas elaborações das vivências difíceis, causadas tanto pelo cenário político quanto pela pandemia, promovendo a circulação da palavra do grupo. São destinadas para maiores de 16 anos. Para participar, preencha o formulário.

Isolamento Social: o projeto busca ajudar principalmente idosos e adolescentes a superarem as dificuldades do isolamento social através da participação em grupos de terapia na cidade de São Paulo. Para saber mais, acesse o site. 

Psicólogos de Plantão: o grupo visa conscientizar a população acerca da saúde mental. Os agendamentos dos atendimentos são feitos pelo instagram, sendo necessário enviar mensagem para o perfil manifestando interesse. No perfil, é possível encontrar um e-book sobre o enfrentamento da ansiedade.

Namorar é F.O.D.A

Paquerar e namorar já era difícil antes da pandemia, uma vez que os aplicativos de relacionamento trouxeram uma nova dinâmica para a vida dos solteiros. Os primeiros encontros geralmente são preenchidos com insegurança e aquele friozinho na barriga que vem junto com a dúvida “será que ele(a) vai gostar de mim?”. 

Porém, tudo isso, somado ao álcool em gel, máscaras e distanciamento social, pode causar um estresse maior. É o chamado F.O.D.A, termo que vem do inglês “fear of dating again”, ou “medo de voltar a namorar”, em tradução livre. A expressão foi usada pela primeira vez no jornal inglês Metro, que mostra uma pesquisa do aplicativo de encontros Hinge sobre o comportamento dos usuários durante a quarentena. Ela mostrou que a maioria dos participantes se sente enferrujado na hora do flerte. É o que está acontecendo com Marina Souza*, que não saiu com ninguém desde o começo da pandemia e até deletou os apps de paquera. “Nessas conversas, chega uma hora que acaba o assunto e o próximo passo seria o encontro. Mas ainda não me sinto segura para isso”, revela. “Acho que quando eu puder sair de novo, não vou ter mais prática na hora de conhecer alguém”. 

Ribeiro ressalta que isso é normal pois nos acostumamos a ficar sozinhos. Ainda assim, é um problema a ser enfrentado. “Temos um aumento da comunicação virtual, o que faz a gente perder muito da outra pessoa, como expressões faciais, o toque e o cheiro. Aí, não conseguimos captar tudo o que está acontecendo com o crush”, diz. Nesse sentido, videochamadas e conversas por telefone podem ajudar nesse processo, já que dão uma ideia melhor das características do potencial parceiro. As pausas, as risadas e as manias são trejeitos únicos que dizem muito sobre o outro. Se você está preocupado com a possibilidade de ser estranho, saiba que o estudo do Hinge concluiu que quando os usuários realmente tentaram o namoro por vídeo, 81% deles disseram que não foi.

“Se antes a gente lidava com casais que não conversavam entre si, hoje temos que pensar naqueles que ficaram distantes. Precisamos redescobrir a magia de estar junto. No entanto, a palavra-chave é calma, vamos dar um passo de cada vez nas relações”, afirma a especialista. 

* Nome fictício

Reaprendendo a socializar

Isso quer dizer que é possível desaprender a conviver em sociedade? Sim. Ribeiro compara com um músculo do corpo: “quando você deixa de se exercitar, ele atrofia e é necessário fisioterapia para resolver”, diz. “O medo é um sentimento protetivo, mas também pode ser paralisante. Dessa forma, para lidar com esse ‘novo normal’, depois que a pandemia acabar, serão necessárias algumas estratégias de enfrentamento”.  

1. Primeiro, é preciso entender os sinais do seu corpo e da sua mente. Respeite a si mesmo e não vá além dos seus limites. 

2. O melhor caminho é fazer apresentações sucessivas. “Você vai de pouquinho em pouquinho aumentando a exposição. Não exagere, mas sempre tenha um passo a mais para alcançar. É como se a gente estivesse aprendendo a andar novamente”, sugere a especialista.

3. Experimente meditação e exercícios de respiração. Essas são práticas que ajudam a acalmar o corpo e a mente em momentos de ansiedade. 

4. Mesmo vacinado, não deixe os cuidados de lado: lembre-se de usar máscara PFF2, álcool em gel e manter o distanciamento social, se possível.