A necessidade de desacelerar, a curiosidade e a influência de artistas são algumas apostas dos fotógrafos
A primeira vez que eu tive contato com uma câmera fotográfica foi durante a infância. A família tinha uma Kodak point and shoot que era usada para registrar ocasiões especiais: festas de aniversário, apresentações de escola ou algum jantar especial. Era preciso tomar muito cuidado na hora do clique porque havia um limite de poses e o filme não era tão acessível como hoje. De lá para cá, apareceram as câmeras digitais, os celulares passaram a registrar fotos e o limite de imagens se tornou quase infinito. Porém, há um grupo de pessoas que está resgatando a era analógica.
O fotógrafo César Ovalle — mais conhecido no Instagram como @cesinha — afirma que esse movimento começou há alguns anos, mas tomou força durante a pandemia de Covid-19. Para ele, há muitos fatores que podem ter influenciado essa onda: “Uma das minhas teorias é que algumas pessoas muito influentes apareceram com câmeras analógicas e acabaram despertando a curiosidade sobre o tema. A Bruna Marquezine, por exemplo, mostrou uma Olympus Mju para o público e os preços do produto chegaram a disparar no mercado.”
De fato, nos últimos cinco anos surgiram diversos canais voltados para quem quer saber mais sobre o tema. Um deles é o Câmera Velha, que tem mais de 36 mil inscritos no YouTube. No Facebook, por sua vez, o grupo Fotógrafxs Analógicxs conta com mais de 39 mil membros. Já para quem gosta de eventos presenciais há a Feira de Fotografia Analógica (Frofa), onde os profissionais e entusiastas encontram câmeras, lentes, filmes, prints, adesivos e outros adereços. Na data, também há palestras e trocas de dicas sobre o tema.
Foi para entender o perfil dessas pessoas que o fotógrafo Neto Macedo realizou uma pesquisa online em março deste ano dentro de grupos voltados à fotografia analógica no Facebook — um universo que ele estima ter 25 mil pessoas.
Como resultado, ele descobriu que do total dos 411 respondentes, 50% dos fotógrafos estão na região sudeste, sendo 32% em São Paulo, 12% em Minas Gerais e 10% no Rio de Janeiro. A região sul fica em segundo lugar, com 25% da amostra, concentrando 11% dos profissionais no Paraná, 9,5% no Rio Grande do Sul e 6,6% em Santa Catarina. Além disso, 72% das pessoas fazem fotografia analógica há no máximo 5 anos — ou seja, a técnica foi adotada quando já não era a mais comum ao redor do mundo.
Outro dado importante que o estudo revelou foi que a maioria optou pelo estilo sobretudo pelo que é percebido como “estética analógica”. Ela pode ser caracterizada como o conjunto de detalhes específicos das películas de filme nas imagens. “As pessoas entram nesse meio por causa do estilo de fotografar. Não é sobre tirar muitas fotos”, diz Macedo. “Não é possível saber o resultado do clique imediatamente e, dependendo das configurações que a pessoa usa, cada foto sai diferente — e isso é especial.”
Já Cauê Krüger, antropólogo e professor da PUC-PR, acredita que esse movimento também é um reflexo da sociedade em que vivemos. “Estamos no capitalismo contemporâneo onde tudo é absurdamente rápido e superficial. Voltar para um estilo mais artesanal proporciona outro tipo de vivência e aumenta a própria fruição da arte que está nascendo”, diz. “Eu não diria que essa seja uma razão mundial, visto que a arte tem significados especiais para cada um.”
Ovalle conta, ainda, que alguns de seus clientes já pedem os trabalhos analógicos: “Há um ano , ninguém nem cogitava querer algo assim. Hoje, as pessoas estão me chamando para trabalhar já solicitando essa estética.” É preciso ressaltar que esse resultado é único já que, mesmo tratando uma fotografia digital, é impossível chegar no resultado exato de uma foto feita com filme. Isso porque cada película tem uma características próprias — algumas têm nuances azuladas, outras são mais avermelhadas e há aquelas que proporcionam mais saturação. Mas é preciso ressaltar que os tons de cores e grãos também mudam de acordo com as escolhas mecânicas de cada fotógrafo.
LAB LAB: É um laboratório que revela todos os formatos e tipos de filmes fotográficos, desde o colorido negativo e preto e branco negativo até filmes de cinema e cromos diapositivos.
Clube do Analógico: O clube nasceu para possibilitar o encontro de entusiastas, amadores e profissionais da fotografia, incentivando a reflexão, a observação e o cuidado pelos métodos tradicionais e oferecendo um espaço de uso coletivo voltado para atividades que desenvolvam pesquisas e práticas em fotografia analógica.
Câmera Velha: É um canal no youtube dedicado à fotografia analógica. Lá, você encontra dicas, reviews de câmeras, filmes, revelação e truques para melhorar seu desempenho.
São milhares de diferenças entre o analógico e o digital. No primeiro estilo, tudo começa quando a luz captada pela lente da câmera provoca uma reação química e aglutina os sais de prata presentes no filme. Esse material exposto a procedimentos químicos vai dar origem a uma imagem negativa, que será invertida e, geralmente, impressa no papel. Já no segundo, a luz sensibiliza um sensor que, por sua vez, a converte um código eletrônico digital armazenado em um cartão de memória.
O modo como o fotógrafo se porta na hora de clicar também muda, uma vez que na analógica não há como checar a imagem após o clique, fazendo com que ele pense muito antes de qualquer registro. “Primeiro você vê e depois você fotografa”, diz Rosângela Andrade, fundadora do Clube do Analógico. Isso porque é preciso analisar o enquadramento, entender se o ISO — ou seja, a sensibilidade — do filme é compatível com a luz do ambiente e configurar a câmera de acordo com o resultado que se quer chegar. Além disso, não se pode trocar o filme da câmera o tempo todo, sendo necessário mantê-lo até o fim das exposições.
1. Entenda o funcionamento da câmera: a lente do equipamento capta a imagem que será registrada na película do filme. Esse é um processo irreversível. Para uma boa foto, equilibre o ISO do filme com a abertura do diafragma da lente e a velocidade do obturador — isso vai fazer com que a imagem não saia muito escura (subexposta) ou muito clara (superexposta).
2. Escolha uma boa câmera: há milhares de equipamentos no mercado. Câmeras lomográficas, point and shoot e rangefinders, por exemplo, trazem um resultado diferente. Cada uma tem sua especificidade e recursos próprios. Entenda o tipo de fotografia que deseja e procure qual dessas irá te proporcionar este resultado.
3. Aprenda: veja vídeos online, converse com profissionais da área e experimente! Só assim é possível perceber as possibilidades que a analógica pode trazer. Teste filmes de todas as marcas, enquadramentos, lentes e filtros.
4. Anote: escreva tudo o que você fizer no começo para entender seus erros e acertos. Se uma imagem não ficou boa, mude as configurações e repita o processo.
5. Sabe-se que o olhar humano ocidental percorre as imagens e os textos da esquerda para a direita e de cima para baixo. Pensando nisso, os profissionais criaram o grid, uma maneira de compor e organizar as fotos para que ela seja equilibrada e traga interesse aos olhos de quem a vê. Uma das formas de utilizá-lo é seguindo a regra dos terços, a qual recomenda-se que o objeto principal da composição seja colocado no cruzamento de quatro linhas.
6. Não desista: “o tempo de curva de aprendizado na fotografia analógica é muito mais longo do que o da digital”, conta Ovalle. Ou seja, por mais que demore para chegar a uma imagem perfeita, a trajetória proporcionará inúmeros aprendizados.
“Trabalhar com a imaginação é essencial. O fotógrafo conhecer como a câmera funciona é importante para se chegar em um bom resultado”, diz Macedo. “Outra diferença é que a película tem uma materialidade que o digital não proporciona e, por cada foto ter um custo, ela é mais valorizada. Quando guardada corretamente, ela dura por muitos anos e não podemos garantir o mesmo de arquivos digitais.”
Segundo Vitor Leite, fundador do laboratório de revelação Lab Lab, o que se destaca na película é a textura da imagem. “Isso vem de uma questão técnica: a superfície do filme é feita de haletos de prata, que é um grão sensibilizado. Isso traz um agente único para o resultado”, explica. “Há também a questão da latitude, que é a capacidade dessa película de trazer mais informações para a imagem nas baixas e altas luzes, que é algo que o digital ainda não conseguiu alcançar.”
Ao contrário do que muitos pensam, é possível combinar o digital e o analógico: “Após a revelação do filme, o fotógrafo pode levá-lo para um processo de digitalização, onde as imagens do negativo passam para o computador e viram um arquivo digital”, explica Andrade. “Assim, os entusiastas e profissionais conseguem até manipular as imagens com softwares de edição.”