Empresas como Grão e Oinc ajudam pessoas, mesmo com baixa renda, a guardar dinheiro no fim do mês.
Enquanto o número de pessoas físicas na B3 cresce em ritmo acelerado e o índice Ibovespa bate recordes, fica fácil perder de vista a realidade brasileira: a imensa maioria da população do País não guarda dinheiro, que dirá investir.
Foi pensando nessas pessoas que a Mônica Saccarelli, uma das fundadoras da corretora Rico, lançou uma nova empreitada: a Grão, um app voltado para quem quer começar a guardar dinheiro, mas não sabe como nem por onde. A Grão nasceu como Diin em 2019 e tem como produto principal uma conta em que o cliente pode investir a partir de R$ 1 em títulos públicos — ou melhor, guardar.
“A gente usa a palavra ‘guardar’ mais do que ‘investir’”, comenta Saccarelli. Ela diz que as pesquisas mostraram que as pessoas não guardam dinheiro porque têm pouco ou porque não sabem por onde começar — daí a tentativa de facilitar o processo. “Você tem um real hoje? A maioria vai ter. Então você pode começar hoje, aí já quebra essa barreira de não ter quanto investir.”
A Grão não é a única empresa voltada para quem quer guardar pouco dinheiro. Outra solução lançada recentemente é a Oinc, que também oferece uma conta que investe automaticamente em títulos públicos e oferece rendimento, mas traz um diferencial: além de depósitos por boleto, transferência e Pix, também dá para definir uma quantia mensal ou diária para guardar e pagar automaticamente usando o cartão de crédito. A função está disponível para usuários Premium, que pagam R$ 3,90 por mês.
Segundo Gabriel Duarte, um dos fundadores da Oinc, o objetivo da empresa é oferecer um “cofrinho digital” — daí o nome, remetendo aos porquinhos de guardar moedas que são bastante comuns entre crianças (ou que pelo menos eram comuns quando eu era criança). Ele diz que a solução de usar o cartão de crédito é uma forma de oferecer um produto ainda pouco comum no mercado brasileiro mas razoavelmente disseminado no norte-americano. A ideia é tentar mudar a “imagem” do cartão de crédito, de fonte de gastos para forma de poupar.
“Soluções automatizadas que auxiliem o usuário a poupar de forma compulsória ajudam muito”, diz Thiago Milanez, consultor da Associação Brasileira de Planejamento Financeiro – Planejar. “Poupando, pode-se começar a focar nas próximas etapas do planejamento financeiro.”
A Grão também oferece uma conta digital com cartão de débito de bandeira Visa, um produto com foco nos desbancarizados. Ela agrega um organizador financeiro para entender melhor os gastos e sugere que o usuário guarde uma porcentagem de cada entrada de dinheiro em sua conta.
Para Milanez, é importante que as pessoas entendam os motivos dessas recomendações e se livrem de maus hábitos. A tecnologia pode até ajudar a identificar os problemas, mas é preciso força de vontade para mudar. “Uma analogia seria um aplicativo que me mostra que estou acima do peso e me dê recomendações de alimentação saudável”, explica o consultor. “Não adianta o aplicativo me fazer essa recomendação se eu não estiver disposto a melhorar meus hábitos de alimentação. No campo financeiro, o problema é o mesmo.”
Tanto na Oinc quanto na Grão o dinheiro depositado rende 100% do CDI. (CDI, caso você não saiba, é a sigla para “Certificado de Depósito Interbancário”, como são chamados os empréstimos feitos entre bancos. A taxa de juros dessas transações segue bem de perto a Selic, taxa básica de juros da economia definida pelo Comitê de Política Monetária.) Não é exclusividade delas: já faz algum tempo que várias contas digitais, como as do Nubank e do Mercado Pago, só para ficar em dois exemplos, oferecem rendimentos com base no CDI.
O fato de o rendimento do CDI ser maior que o da poupança é sempre muito alardeado por bancos e corretoras. Para Milanez, no entanto, isso não é tão importante para quem tem pouco dinheiro. Nas contas do consultor financeiro, para R$ 1 mil guardados por um ano, um investimento a 100% do CDI rende cerca de R$ 2 a mais que a poupança. “E cerca de 80% da nossa população não conseguem nem poupar e muito provavelmente não têm nem R$ 1 mil para investir.”
O especialista da Planejar diz que a poupança pode ser um bom instrumento para quem está começando a poupar e não tem muito tempo nem dinheiro para investir. Depois de conseguir juntar a chamada reserva de emergência — uma quantia que deve ficar guardada para cobrir imprevistos sem precisar se endividar –, aí sim é melhor começar a procurar aplicações que rendam mais.
Segundo Milanez, o primeiro passo para conseguir guardar deve ser compreender muito bem seus números — isto é, o dinheiro que entra e o dinheiro que sai. Dessa forma, é possível compreender quais são o que ele chama de “ralos financeiros” e entender quais são os maus hábitos. Ele também recomenda procurar formas de gastar menos e ganhar mais, e reforça que esses dois objetivos devem ser buscados ao mesmo tempo.
Duarte, da Oinc, também cita a importância de conhecer receitas e despesas — e isso vale para todo mundo. “A gente identifica que algumas pessoas acham que não dá mais tempo e não tem mais como resolver. Tem como resolver, e a primeira coisa que precisa fazer é se organizar, saber quanto gasta e quanto ganha.” Ele também destaca a importância da reserva de emergência. “Na hora, vai ser chato guardar, mas se você precisar, você vai adorar o seu eu do passado por ter feito isso.”
Saccarelli também diz que é importante poupar primeiro, logo ao receber o dinheiro (como, inclusive, sugere a conta digital da Grão), sem deixar para fazer isso com o que ficou na conta no fim do mês. “Se você esperar sobrar [para guardar], você está dando a sobra para você mesmo.”