O país assumiu metas ousadas de preservação ambiental. Mas, para especialistas, há omissão do governo no combate ao desmatamento.
Faz pouco tempo desde que o Brasil prometeu acabar com o desmatamento ilegal na floresta Amazônica. Foi em abril de 2021 que, durante a Cúpula do Clima, o presidente Jair Bolsonaro destacou o compromisso de eliminar o desflorestamento até o fim da década. Ele também antecipou a meta de zerar as emissões de gás carbônico (CO2) até 2050. Ainda que a promessa tenha sido feita para gringo ver, o fato é que país está caminhando na direção contrária à preservação do ambiente.
Um indicativo desse movimento oposto são os dados divulgados pelo Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). Eles mostram que, no mesmo mês da promessa feita na Cúpula do Clima, a área desmatada na região foi de 778 km², maior número registrado no mês de abril nos últimos 10 anos. O número ainda seria superado com folga no mês seguinte: em maio deste ano, uma área igual ao município do Rio de Janeiro, com 1.125 km² de extensão, foi desmatada. Um dia após o discurso, o presidente aprovou corte de 24% no orçamento destinado para o ambiente em 2021.
Joga contra o Brasil o fato que o país não detalhou como ou quando pretende cumprir a promessa feita na Cúpula do Clima. Também não apresentou ainda um plano para realizar o prometido no Acordo de Paris.
Em entrevista ao Bitniks, Natalie Unterstell, diretora do projeto Política por Inteiro, que monitora e analisa as ações do Executivo e Legislativo Federal na política de meio ambiente e clima, disse que “hoje o Brasil caminha para a devastação, para muito perto do ponto de não retorno, do colapso da Floresta Amazônica”. Ela ressaltou o dado de que quase 100% do desmatamento na região é ilegal.
Ao mesmo tempo em que o país promete mundialmente zerar o desmatamento ilegal, uma série de escândalos envolvendo o ex-ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, veio à tona. Ele é alvo de investigação criminal por atuação ilegal com madeireiros e foi exonerado do cargo por envolvimento com crimes ambientais. Joaquim Alvaro Pereira Leite assumiu a pasta desde de então.
A gestão de Salles foi marcada pelo conflito com inúmeras entidades de conservação ambiental e especialistas. O ex-ministro fez diversos ataques às ONGs, interrompeu o Fundo Amazônia, que captava recursos internacionais para preservação da área, assistiu a recordes nos números de desmatamento e queimadas, reduziu a equipe do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) e mais uma série de ações que afastaram a sociedade organizações da proteção ao bioma, reiterando o poder do governo.
Marina Silva, ex-ministra do Meio Ambiente, explicou em entrevista via Skype para o Bitniks que, apesar da promessa do presidente na Cúpula do Clima, hoje o país não tem como cumprir essas ações. “Quando se analisa o acumulado de desmatamento dentro das unidades de conservação do Governo Federal, se vê que a região teve um aumento do desmatamento de 129%”, diz.
Tantas inseguranças e conflitos colocam em risco uma das regiões ecológicas mais importantes do planeta. A Amazônia abriga a maior bacia de água doce do mundo, ajuda a equilibrar o clima e a controlar o regime de chuvas pelo país, captura toneladas de dióxido de carbono (CO2) da atmosfera e conta com uma ampla diversidade de plantas e animais. Além disso, o Imazon indica que 50% da Amazônia são de áreas de preservação, ou seja, protegidas por lei contra o desmatamento. Vale a pena ressaltar que, dessa área, grande parte fica nas regiões de terras indígenas, representando 23% do território amazônico.
A falta de ações na esfera federal para a preservação do meio ambiente gera duras críticas por parte de especialistas. Marina classifica como “corrupção normativa” algumas das medidas facilitadas pelo governo. Segundo ela, os órgãos estão moldando a lei de acordo com o crime. Marina cita alguns exemplos recentes, como o Projeto de Lei (PL) 510/2021, conhecido como Lei da Grilagem. Ele possibilitaria que terras públicas desmatadas ilegalmente se tornem propriedade de quem as ocupa. “Essas áreas foram roubadas do patrimônio público brasileiro. Seria como um presentear os criminosos com um título definitivo”, apontou Marina.
“O que é para ser feito, a gente tem como fazer. Só não está sendo feito porque a direção está contrária”
Marina Silva, ex-ministra do Meio Ambiente
Além do desmatamento, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) apontou que o mês de junho teve o maior número de queimadas na Amazônia nos últimos 14 anos, totalizando 2.308 focos de calor. Tanto fogo tem tornado a reunião um grande local de emissão de CO2. De acordo com uma publicação da Revista Fapesp, entre 2010 e 2017, a região emitiu mais gás nocivo do que absorveu do ar. Em 2019, o vento se encarregou de levar fuligem das queimadas para estados do sudeste, centro-oeste e para países vizinhos. O episódio ficou conhecido como “o dia que virou noite”, e deixou escuro o céu de São Paulo e outras cidades do sudeste.
A poluição do ar, ocasionada pela emissão de gases nocivos ao ambiente, além dos impactos ambientais, tem sido responsável por uma série de óbitos. Um estudo coordenado pelo WRI Brasil apontou que, a cada ano, cerca de 51 mil brasileiros morrem em decorrência de doenças causadas pela baixa qualidade do ar.
Ainda que o governo federal tenha assegurado a emissão zero de CO2 até 2050, isso parece distante da realidade. Unterstell cita a aprovação da Medida Provisória (MP) de privatização da Eletrobrás como ação do governo contrária à política de transição de zero carbono. “Essa medida força quem for capitalizar a empresa a contratar energia suja, ou seja. gás e carvão. É absolutamente pernicioso esse tipo de incentivo que será dado, porque vai nos deixar décadas no modelo de contratação de energia de altas emissões”, disse a especialista.
Embora não haja otimismo por parte de especialistas para que o país atinja a meta agora, tanto Marina Silva quanto Unterstell dizem que é possível cumprir a promessa — se e somente se o país começar a adotar imediatamente políticas que de fato beneficiem o meio ambiente.
O desmatamento e as queimadas estão, em grande parte, associados às ações ilegais pautadas por interesses econômicos. A facilidade atual em extrair madeira, segundo Marina, “não tem nenhum benefício econômico para o país”. Ela pontua que “muitos desses contraventores usam mão-de-obra em situação análoga à escravidão, não pagam impostos, fazem um rastro de destruição, se apropriam privadamente dos benefícios econômicos e democratizam os prejuízos ambientais e sociais daquilo fazem. Os mais prejudicados têm sido os povos indígenas”.
Essa ideia é corroborada nesta entrevista do cientista brasileiro Carlos Nobre ao El País. Nobre reforça o argumento de que “o grande potencial econômico da Amazônia é mantê-la em pé.” Segundo o especialista, os empregados do garimpo e da extração de madeira estão em semiescravidão e não ganham nem um salário mínimo por mês.
Ricardo Abramovay, professor Sênior do Programa de Ciência Ambiental do IEE/USP, também defende que a única rentabilidade que a floresta Amazônica pode dar ao país só existe se ela se mantiver em pé. Ao jornal Estado de Minas, ele disse que o desmatamento do bioma destrói a economia. De acordo com Abramovay, “o Brasil tem na economia da floresta em pé, ou seja, na economia do conhecimento, da biodiversidade, enorme potencial para assumir relevância global.”
Dito isto, você deve saber que a Amazônia não está ‘jogada às traças”. Inúmeros projetos federais, estaduais e municipais, além de iniciativas civis tentam proteger o bioma.
Dentre eles, PRODES, que acompanha e monitora o desmatamento da Floresta Amazônica por meio de Satélite; a Operação Verde Brasil no combate à focos de incêndio. Além disso, em 2019 foi criada a Comissão-Executiva para Controle do Desmatamento Ilegal e Recuperação da Vegetação Nativa com o objetivo formular políticas públicas para a redução do desmatamento ilegal e promoção da recuperação das árvores nativas.
Esses programas, como a Estratégia Nacional de Redd+, para a redução das emissões provenientes do desmatamento e da degradação florestal, além da conservação dos estoques de carbono florestal, manejo sustentável de florestas, que foi instituída pela Portaria do Ministério do Meio Ambiente (MMA) nº 370, de 2 de dezembro de 2015 e que tem como objetivo geral contribuir para a mitigação da mudança do clima, entre tantos outros, são de extrema importância para tentar salvar a Amazônia. Mas muito ainda precisa ser feito.
As especialistas ouvidas pela reportagem elencam ações que o governo federal deve adotar para que isso seja possível, antes que a Floresta Amazônica atinja o chamado ‘tipping point’. O termo, criado por Thomas Lovejoy e Carlos Nobre, define a situação irreversível da região. Ela ocorrerá, segundo os autores, quando entre 20% e 25% da floresta estiverem destruídos.
Marina Silva diz que é necessário:
Unterstell destaca que é preciso uma repressão mais ostensiva ao crime. Para a especialista, se os órgãos de comando e controle, citados por Marina, tiverem estrutura adequada, isso é, sim, possível a curto prazo.