Feito por desenvolvedores paulistanos, o jogo recém-lançado tem animação 2D, fazendo referências a animes e jogos dos anos 1990.
Sua introdução para queimada pode ter sido no colégio, nos videogames, na TV (assistindo Hora do Recreio), ou entendendo um “outro lado” do esporte pela comédia pastelão Com a Bola Toda – aquele, do Ben Stiller. Independente da origem, para muita gente a queimada é sinônimo de nostalgia. Como forma de materializar este sentimento, desenvolvedores brasileiros criaram o jogo Dodgeball Academia, lançamento para Xbox One, PS4, PC e Nintendo Switch. Em uma salada de frutas de referências da cultura pop, somadas a games dos anos 1990, temos um divertido RPG recheado de animações 2D, desenvolvido pela Pocket Trap e publicado pela Humble Games.
Em entrevista ao Bitniks, Henrique Caprino (produtor executivo) e Ivan Freire (diretor de arte) contaram tudo sobre os bastidores deste estiloso agradável game, que pude jogar nos últimos dias.
Se passando em uma “escola de queimada”, Dodgeball Academia te coloca na pele de Otto, em busca de treinamento rumo ao grande torneio que se aproxima. Deste plano inicial até o que se prossegue no game, temos forte alusão a RPGs nipônicos e até animes – a academia de Boku no Hero, talvez?
Por padrão, há dois amigos que te acompanham: Mina e Bexigo, cada um com power-ups e habilidades distintas. Ao longo da semana de treinamento você tem desafios diários, missões secundárias, itens para coletar e o grande arco que compõe a história principal, se desdobrando enquanto você recruta novos jogadores para sua equipe.
Em uma sessão de jogo, você deve explorar o campus e interagir com professores e alunos. Há poucas aulas práticas, poucos tutoriais e diversos tipos de bolas de queimada, com efeitos diferentes. Você aprende mais em quests secundárias do que em missões da história, como um bom RPG deve ser. Por sinal, o game tem balões de fala, sem dublagem – o que combina com o gênero e é um mérito da ótima escrita de roteiro.
Enquanto caminha, Otto pode esbarrar com um colega que quer partir para briga. Vocês então são transportados para uma das quadras mais próximas. Por isso, isso pode ser familiar para quem gosta de jogos arcade como Street Fighter, ou RPGs baseados em lutas por turno, turn based, como Pokémons e os (também animados) jogos de South Park.
Henrique conta que a grande inspiração neste aspecto foi Super Dodgeball, mas se basear nele não seria o suficiente. “Os jogos que a gente gostava eram muito antigos e precisávamos encontrar uma forma de modernizar algumas mecânicas e trabalhar em cima da limitação da queimada em si”, conta.
Para gamers e não-gamers, o jogo consegue ter uma atmosfera nostálgica, a começar pela posição das mãos no teclado. Tal qual fliperamas retrô, o jogador deve ficar com ambas sobre as teclas certas (no caso, WASD e JKL), em um combo de movimentação e ação que recriam fisicamente a sensação de jogar um arcade. Também há como conectar um controle externo de videogame, mas recomendo pelo menos testar o “modo teclado”.
O que refresca a experiência de mais de 13 horas de Dodgeball é que as regras são modulares. A depender da disputa, seus oponentes podem ficar fora da quadra por completo, ou podem pegar as bolas que “sobram” do seu lado da quadra. E posso afirmar que a inteligência artificial foi muito bem programada, pois a depender do formato, você deve ficar atento também a quais colegas podem trazer benefícios à partida. Por exemplo, caso o adversário costume te matar rápido, talvez trocar pelo colega que te cura seja uma opção; caso a barra de vida do oponente seja grande, um colega com mais força pode te ajudar a acabar mais rápido, e assim por diante.
“Foram muitas iterações até chegarmos nessa mecânica final das batalhas de queimada”, explica Caprino. Curiosamente, o modo versus incluso no jogo (à parte da história) existe por ser uma necessidade dentre os desenvolvedores. “Antes de elaborar a I.A. dos oponentes, testávamos jogando um contra o outro. Por isso meio que já existia esse modo versus, pois foi uma das primeiras coisas criadas”, ele explica.
Em termos de arte, há animações 2D tradicionais, com uma vibe Cartoon Network. O motivo é simples: Ivan Freire, diretor de arte que trouxe seus personagens à vida com o game, tem sua arte fortemente absorvida do canal – e hoje é revisor de storyboard para lá. “Foi meio uma junção de coisas que não deram certo em algum momento e eu sabia que aqui elas funcionariam”, ele diz a respeito de seus personagens criados em outras instâncias, adaptados ao que ele sabia que daria certo com Dodgeball.
Ivan estava inserido no mercado de animações, mas tinha desencanado de trabalhar com jogos, apesar de ter feito a mesma faculdade que o Henrique (Design de Games). “Me formei e fui para esse lado, mas sempre tive vontade e tinha embriões de projetos guardados que queria tocar em algum momento”. Ele estava com um projeto para uma outra animação, que necessitou de suspensão pelo estúdio em questão, e decidiu levar a ideia de Dodgeball até Caprino e o pessoal da Pocket Trap.
“Foi em parte um desejo nosso de ‘a gente quer jogar e não tem’. Juntamos elementos dos jogos que gostamos, como as batalhas e um mundo para explorar. Por eu ter aproveitado muitos dos personagens foi fácil colocar todo mundo em uma sala de aula e desenvolver em cima”.
Ivan Freire, sobre a criação de Dodgeball Academia
Henrique e Ivan trabalharam juntos no game Ninjin: Clash of Carrots, lançado em 2018. Entre o desenvolvimento e a estreia deste, no final de 2016, entraram no edital da SP Cine e tiveram financiamento inicial do projeto que virou o tal “Queimadinha”, apelido dado por Freire.
O game foi polido, baseando-se em inspirações esportivas como os títulos da Camelot para Gameboy Color (famosos por Mario Golf e Mario Power Tennis), e então apresentado para publishers, sendo escolhido pela Humble Bundle. “Quando fechamos com a Humble começamos a produzir de verdade, há mais ou menos dois anos. Preferi focar na direção de arte (e animação) e soltei os argumentos de história que tinha para o roteirista, Tiago Rech”, conta Freire.
Uma das mudanças da época foi a repensar um conceito propício a furos de roteiro. Ivan diz que “a ideia inicial era você poder fazer um time com quem quisesse dentro da escola, mas isso iria abrir uma margem para ter muitos buracos (…). Achamos melhor focar em um RPG mais linear, com ramificações pequenas, que não afetassem tanto na narrativa.” E essas referências gamers não se limitaram aos jogos de queimada, como conta Henrique: “tentamos colocar um pouco de tudo o que a gente gosta, então tem coisa de Pokémon e Mario, mas são só nuances”. Outra notável referência pop acontece no meio de uma partida, pois é possível carregar a barra de poder especial similar ao Goku, de Dragon Ball.
Sobre animes, vemos também influências na composição da trilha sonora – que também tem um pacote adicional a quem comprá-lo na versão para PC. Ter reprises de cenários e a exploração do mundo pede muito por músicas que combinem e isso eles souberam fazer muito bem.
Dentre referências externas e easter eggs, temos características de alguns dos personagens. Ivan cita três: o Tonhão (e seu Clube da Luta particular) é uma piada interna de uma “lenda” da faculdade, a professora Kat é apelido do nome da mãe do artista (o pirulito na boca é porque Catarina é fumante, na vida real) e outra ligação à progenitora se deu em sua profissão, pois a bibliotecária do game é a única com a pele avermelhada como a do protagonista. A conexão mais óbvia a quem conhece Ivan é sobre Otto, uma homenagem dele ao falecido cachorro. “O Otto foi meu melhor amigo a vida toda e tenho uma história pessoal muito forte. As pessoas falarem o nome dele, mesmo que não saibam [sobre a origem], é muito especial”, conta emocionado.
Se aproximando de Harvest Moon, onde há a lógica de alguns personagens gostarem de certo alimento e outros serem alérgicos, o jogo coloca comidas brasileiras para te dar pontos de HP, encher a barra de experiência, ressuscitar membros do seu time ou ganhar pontos fixos de habilidades. “Como a gente joga jogo japonês, acabamos absorvendo um pouco da cultura quase que por osmose. Quisemos fazer isso do nosso jeito, colocando uma coxinha, pastel e brigadeiro na cantina da escola para servir como consumíveis”, conta Ivan.
“A gente não queria, só por o jogo ser vendido para o mundo, colocar comidas padrão. A cantina é um dos meus locais favoritos, por ter a vitrine de salgados”, o que qualquer brasileiro pode se identificar, como afirma Henrique. O produtor lembra de quando Dodgeball teve uma demo jogável na época da E3 (há poucas semanas), quando a pizza com ketchup foi um dos assuntos comentados pela comunidade.
Infelizmente eles perderam a chance de colocar uma disputa de biscoito versus bolacha, mas aceito se isso ficar para uma próxima expansão. E certas coisas podem até se perder na tradução, tal qual as piadas, mas havia uma mínima vontade de imprimir a brasilidade no exterior. “Gostaria de ter ‘coxinha’ lá fora e eles se virem com a pronúncia! [risos]”, comenta o artista.
Junto do anúncio de Dodgeball, houve um crescimento nacional e internacional de hype sobre o título desde sua exibição na E3 deste ano, o maior evento da indústria, que ocorreu de forma virtual. Em nossa conversa, os dois demonstraram que a noção de ter o trailer do próprio jogo nos canais da Nintendo, Sony e Microsoft é surreal.
“Quando decidimos entrar na carreira de fazer jogos, parece que foi algo muito distante. Estamos desde 2013 ‘na luta’. Ficamos lisonjeados de ficar junto dos outros e sendo destaque para algumas pessoas. Teve gente que viu o PC Gaming Show e deu destaque pro jogo de queimada. Poxa, você tem tanto jogo imenso nessas conferências e estamos nos destacando para algumas pessoas… é especial”.
Henrique Caprino, sobre o sucesso de Dodgeball desde o anúncio
Falando sobre performance e o ritmo de jogatina em si, Dodgeball roda bem até em notebooks sem placa de vídeo dedicada. Essa foi uma preocupação no meio do desenvolvimento, visto que eles focavam em lançar para o Switch – claramente uma forma de fechar o ciclo, desde a inspiração nos jogos do Gameboy, por mais que isso não fosse intencional para a equipe.
Por pura ironia do destino, Dodgeball Academia não é o único lançamento de queimada do ano, pois além dele tivemos Knockout City, anunciado em fevereiro e lançado três meses depois. O jogo da Electronic Arts se baseia em partidas multiplayer, um shooter com câmera em terceira pessoa. “Quando anunciaram pensei que fosse algo mais para Battle Royale, mas achei muito divertido em termos de mecânica; os modos e as animações são bons até”, relata Caprino.
Ivan e Henrique levaram isso pelo lado positivo. “Ninguém estava mais falando de queimada e aí sai esse jogo relativamente grande, um Spaltoon de queimada. Na hora de um susto, mas a gente levou para o lado bom”, diz o artista. “Nenhuma ideia é tão ‘exclusiva’ que nenhum outro estúdio possa pegar e lançar. Vi isso com bons olhos, porque eles não disputam pelo mesmo espaço”, completa o produtor.
Por fim, o que nos aguarda sobre a expansão da lore do Queimadinha? “Ideia a gente tem de sobra. Muita coisa gostaríamos de ter lançado com o jogo, mas durante o desenvolvimento acabamos tendo que cortar certas coisas. Sem promessas por enquanto”, afirma Henrique.
Dodgeball Academia está disponível desde já para PC (Steam), PlayStation 4, Nintendo Switch e integra a biblioteca do Game Pass, modelo de assinatura do Xbox.