A volta do Talibã tem causado medo por violar os direitos de mulheres e meninas, principalmente em relação ao trabalho e educação.
O Talibã, que virou sinônimo do extremismo islâmico, voltou ao poder no Afeganistão após 20 anos. Suas tropas invadiram Cabul pela primeira vez desde que foram expulsos pelos Estados Unidos — que invadiu o país em resposta aos atentados de 11 de setembro de 2001. Mas, à medida que o grupo avança, muito se teme sobre a violação de direitos humanos, principalmente aqueles relacionados a mulheres e meninas.
Isso porque seus participantes adotaram uma visão rigorosa da Sharia, uma lei que impõe restrições aos civis. As mulheres, por exemplo, eram impedidas de trabalhar e estudar, só podiam sair de casa junto com algum parente do sexo masculino e deviam manter sempre o rosto todo coberto.
No último domingo (15), Aisha Khurram, uma ex-embaixadora da Juventude da ONU, compartilhou um tuíte sobre a situação na Universidade de Cabul: “Alguns professores se despediram de suas alunas quando todos foram evacuados da Universidade de Cabul nesta manhã … e talvez não tenhamos nossa formatura assim como milhares de alunos em todo o país.…”, escreveu ela na rede social.
Também no Twitter, o chefe da rede de notícias afegão Tolo News, Lotfullah Najafizada, postou uma imagem de um homem cobrindo de tinta fotos de mulheres pintadas em um muro em Cabul.
E as denúncias não param por aí: Muzhda, uma cidadã de 35 anos solteira, disse que os integrantes do Talibã estão exigindo que as famílias entreguem mulheres e meninas para se tornarem esposas de seus combatentes. “Eu estou chorando dia e noite”, afirmou ela à agência de notícias AFP.
A ativista paquistanesa Malala Yousafzai, ganhadora do Nobel da Paz por sua atuação na defesa dos direitos das meninas à educação, também expressou preocupação sobre a situação do país. “Assistimos em completo choque enquanto o Talibã assume o controle do Afeganistão. Estou profundamente preocupada com mulheres, minorias e defensores dos direitos humanos. Poderes globais, regionais e locais devem pedir um cessar-fogo imediato, fornecer ajuda humanitária urgente e proteger refugiados e civis”, declarou.
Segundo Darli de Fátima Sampaio, professora da Pós-Graduação em Direitos Humanos e Políticas Públicas da PUCPR, é preciso olhar para a pluralidade das mulheres do país — já que cada grupo luta contra violências diferentes. “E a violência aqui não parte só do Talibã, mas após a ocupação dos Estados Unidos também houve relatos de violações de direitos”, afirma. “Ativistas mulheres sempre denunciam o que está acontecendo. A preocupação é com a suspensão desses avanços tão significativos, que poderiam aumentar a cada dia.”
Ainda assim, não se pode cair na islamofobia. “É preciso pensar que essa é apenas uma das leituras e interpretação da religião. Grande parte do mundo islâmico condena as violências. Não podemos achar que somos melhores porque outras religiões do mundo também praticam atos misóginos”, ressalta a especialista. “O ocidental olha outros contextos com a ótica deles e tem uma leitura de opressão. Mas mulheres afegãs resistem e também lutam, elas não são passivas.”
Pensando nisso, relembramos cinco conquistas de mulheres afegãs nos últimos anos.
A equipe feminina de robótica, também conhecida como “Sonhadoras Afegãs”, é formada por meia dúzia de meninas de 15 a 17 anos. Ela nasceu há alguns anos por Roya Mahboob, uma empresária afegã de tecnologia que dirige o Digital Citizen Fund, um grupo que oferece aulas de tecnologia e robótica para garotas. Durante a pandemia, as integrantes usaram peças de carros, correntes de motos e sensores de máquinas como uma solução criativa para criar ventilador mecânico de baixo custo.
Por terem seus direitos ameaçados, as garotas estão tentando escapar do país. “Elas estão preocupadas com o que o amanhã trará. Elas querem continuar a ser educadas, querem continuar a ser o futuro do Afeganistão. Mas é uma situação extremamente tênue e perigosa para elas”, disse a advogada de direitos humanos Kimberley Motley à CBC no domingo.
Zarifa Ghafari, de 27 anos, foi eleita em 2018 para liderar a cidade de Maidan Sharh, no centro do Afeganistão. A luta pelos direitos humanos têm sido seu foco até agora. Ela se formou em economia na Índia, e usou seu tempo no cargo para promover programas de limpeza da cidade, melhorias sociais e reparos em infraestruturas.
Porém, após receber ameaças, disse à iNews nesta semana que está prevendo o dia de sua morte. “Estou sentada aqui esperando que eles venham. Não há ninguém para ajudar a mim ou minha família”, contou ela. “Eles virão atrás de pessoas como eu e me matarão. Não posso deixar minha família. E de qualquer maneira, para onde eu iria?”
Ghafari é a prefeita mais jovem do Afeganistão. Seu pai, o general Abdul Wasi Ghafari, foi morto a tiros em 15 de novembro do ano passado, apenas 20 dias após o terceiro atentado contra sua vida ter falhado.
Em 2016, um grupo formado por 12 ciclistas afegãs foi indicado ao Nobel da Paz por conta da revolução propagada por elas com o uso da bicicleta. Na época, a integrante Zahra Hussaini disse ao Tolo News que a nomeação foi uma grande conquista e um acontecimento histórico. “Fizemos seis competições nacionais, com duas grandes em que participaram ciclistas de Cabul e de outras províncias”, afirmou ela.
Em 2018 o documentário Afghan Cycles contou a história dessa geração, que é a primeira a participar de competições e que pedala como forma protesto contra as inúmeras barreiras culturais e de gênero.
Em 2019, Zahra Elham, uma garota de 18 anos, foi a primeira vencedora mulher, em 14 anos, do principal reality show do país, Afghan Star.
Elham, que fez história, lembrou ao Tolo News que não estava muito confiante sobre o apoio de seus fãs quando ela entrou no concurso, mas mais tarde começou a ver comentários positivos sobre sua atuação em cada semana do show. “Quando apareci entre os cinco e quatro melhores competidores, as opiniões sobre mim começaram a mudar. O público passou a acreditar que uma garota deveria ganhar o concurso. Isso me ajudou a aparecer na fase final”, disse.
Shamsia Hassani é a primeira mulher artista de rua do Afeganistão. Ela faz murais coloridos e pinturas que retratam as garotas como figuras fortes e independentes. Ela recebeu seu diploma em Artes em 2010 e seu mestrado em Artes Visuais em 2014 pela Universidade de Cabul, onde leciona pintura atualmente.
Além disso, ela é cofundadora da Berang Art Organization, um grupo dirigido por artistas que promove a arte e a cultura contemporâneas no Afeganistão por meio de aulas, workshops, seminários e exposições.
Porém, sua liberdade de expressão agora está ameaçada. Durante seu governo sobre o país, o Talibã bloqueou todas as formas de cultura. As mulheres, por sua vez, eram privadas do acesso. Seus últimos desenhos publicados no Instagram demonstram medo do que está por vir.