Queda na comissão cobrada por lojas de apps aumentou os ganhos dos pequenos estúdios. Mas a relação com gigantes como App Store e Play Store, no geral, ainda é de dependência.
A briga entre Epic Games e Apple continua nos tribunais, mas já teve uma consequência bastante concreta: a fabricante do iPhone reduziu, em janeiro deste ano, a comissão cobrada dos desenvolvedores de jogos em sua App Store. Agora, tudo que for faturado até US$ 1 milhão no ano paga 15% e não mais 30% — ganhos acima desse teto continuam com a cobrança antiga. O Google seguiu os passos de sua concorrente e passou a fazer o mesmo com a Play Store desde julho.
A mudança parece ter sido pensada sob medida para irritar as empresas críticas à Apple, como a própria Epic e também o Spotify, o Match Group (dono do Tinder), e o Facebook, que têm faturamentos muito acima de US$ 1 milhão. E para desenvolvedores pequenos? Segundo o Google, 99% dos desenvolvedores que vendem produtos ou serviços na Play Store terão uma redução de 50% nas taxas. Conversamos com três estúdios brasileiros que fazem jogos para smartphones — e as respostas variam.
Lucas Mattos, co-fundador e desenvolvedor da Long Hat House, estúdio de Belo Horizonte que faz o game Dandara, diz que não terá nenhuma vantagem com a mudança. “Como nosso jogo fica disponibilizado nas lojas através da nossa publicadora (a Raw Fury), que distribui vários outros jogos, esse limite de US$ 1 milhão não funciona com a gente, infelizmente.”
A Pipa Studios, segundo maior estúdio de games mobile do Brasil, também supera esse teto. Mesmo assim, Daniel Xavier, co-fundador e CEO da empresa, acredita que a redução é bem-vinda, porque vai permitir mais investimentos por parte das empresas. O Google também diz isso. “Globalmente, acreditamos que esses fundos podem ajudar os desenvolvedores a escalar a sua produção, numa fase crítica de seu crescimento, contratando mais engenheiros, aumentando sua equipe de marketing, aumentando a capacidade do servidor, e muito mais”, disse a companhia em uma conversa por e-mail com o Bitniks.
Saulo Camarotti, CEO e fundador da Behold Studios, famosa por seu Knights of Pen and Paper, diz que a importância da redução vai além do maior rendimento. “As lojas cobravam 30% de comissão, mas, nesses últimos anos, elas não estão entregando esse valor”, comenta. “Hoje, os apps têm pouca chance de aparecer para os usuários, dada a concorrência e oferta de apps, e essas lojas pouco fazem para valer os 30% cobrados. Agora, com os 15%, entendo que está mais justo.”
Os 30% da App Store eram, na verdade, um padrão da indústria. Segundo Camarotti, da Behold, as exceções eram “raras e irrelevantes”. Para Mattos, da Long Hat House, o começo da mudança foi justamente com a loja de games para PC da Epic. Camarotti lembra que, atualmente, existem lojas que não cobram uma porcentagem fixa, mas deixam para o jogador determinar quanto ele deixará de comissão.
“Muitas vezes definimos o preço observando o sentimento do jogador em relação ao que seria justo, e comparando com jogos que entregam uma experiência similar”, conta Mattos, da Long Hat House. Camarotti, da Behold, também diz que as comissões não são levadas em consideração na hora de definir o preço de um jogo feito por seu estúdio. “O preço do produto é baseado no mercado, na expectativa do público consumidor, e a relação de preço dos concorrentes.”
Ainda falando do lado das empresas, Xavier, da Pipa, acredita que será importante para as novas desenvolvedoras ter um plano inicial de negócios pensado para faturamentos mais baixos, quando a comissão inferior poderá acelerar os investimentos. Mas, segundo Xavier, é importante levar em consideração a taxa de 30% cobrada após estourar o teto de US$ 1 milhão no ano. Ele vê que as reduções trarão mais espaço para as empresas testarem novos preços de jogos e itens vendidos dentro dos games. Além disso, ele lembra que o câmbio é favorável às empresas brasileiras — US$ 1 milhão equivale a mais ou menos R$ 5 milhões nos tempos atuais, o que é uma margem bem alta para as companhias nacionais.
Para jogos de grandes produtoras, Mattos, da Long Hat House, acredita que a competição entre as lojas pode reduzir os preços a longo prazo. Já Camarotti observa outro fenômeno: “existe um conservadorismo das grandes empresas em manter os mesmos preços praticados há mais de 10 anos”.
Mais do que a comissão cobrada, outro questionamento contra a Apple diz respeito ao seu “cercadinho”: só jogos aprovados podem entrar na App Store, e não há lojas de apps ou jogos alternativas para iPhones e iPads. Isso ficou escancarado com as restrições da empresa às plataformas de cloud gaming, que acabaram driblando a loja por meio de web apps.
Se ficou impossível jogar Fortnite em um iPhone, ainda dá para jogar o battle royale em um dispositivo Android. O sistema aceita lojas além da Play Store, que também baniu o jogo após a Epic tentar contornar o sistema de pagamento das lojas, mas permite instalar aplicativos baixados da internet, os famosos APKs. Vale lembrar que, no começo, a Epic tentou deixar o Fortnite fora da Play Store e distribuir o game apenas em seu site, mas não obteve tanto sucesso.
Camarotti, da Behold, diz que “muita coisa poderia ser melhorada nos serviços prestados pela App Store”, mas que a ausência de lojas concorrentes dificilmente mudaria alguma coisa. Ele diz, ainda, que as grandes vantagens oferecidas pelas lojas de Apple e Google são a facilidade de uso e as grandes bases instaladas. “Antigamente, o trabalho para se distribuir nos celulares pelo mundo inteiro era impossível de ser realizado apenas por um desenvolvedor pequeno.”
Já Mattos, da Long Hat House, se mostra mais satisfeito com o modelo da Apple: “A Apple tem sido uma ótima parceira, e deu um grande suporte ao Dandara, em termos de atenção e apresentação — até recebemos o prêmio de Game of the Year para Apple TV ano passado!”
Apesar disso, ele acredita que seria bom ter alternativas dentro do iOS. “Da forma como é hoje, a Apple não gerencia só um serviço, mas regulamenta sozinha um mercado bilionário”, explica. “Se ela resolve barrar, por interesse ou arbitrariedade, algum serviço, software ou conteúdo, não existem caminhos alternativos para chegar a essas pessoas.”
Ter mais lojas, por si só, não representa uma grande mudança em termos de negócio para esses desenvolvedores. Xavier, da Pipa, diz que os jogos estão disponíveis em lojas de Huawei, Samsung e Amazon muito mais como uma experiência da empresa do que como uma fonte de receitas.
“No Android há alternativas de lojas, mas nenhuma chegou a ser relevante no mercado”, acrescenta Camarotti, da Behold. Ele também destaca que distribuir em várias lojas não é fácil. “O trabalho de manutenção dessas lojas não compensa o resultado financeiro, no nosso caso. Agora que temos um parceiro de distribuição, está começando a valer a pena estar em muitas lojas, mesmo que as vendas sejam menores.”