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São as grandes corporações que têm mudado o clima do planeta

Opinião

Em dezembro do ano passado (2020) Timnit Gebru, até então colíder da equipe de ética em Inteligência Artificial do Google foi demitida de maneira bastante arbitrária. Gebru tem uma vasta e importante carreira na pesquisa e no campo de Inteligência Artificial, teceu sólidas críticas a projetos de reconhecimento facial e foi uma das fundadoras do Black In AI. A equipe de ética que desenvolveu no Google é considerada umas das mais diversas da área, tanto a respeito de especialidades quanto de pessoas. 

Sua demissão gerou revolta em muitos dos próprios funcionários do Google e em uma enorme rede de profissionais e pesquisadores em tecnologia do mundo inteiro. O que se sabe é que Jeff Dean, chefe de IA do Google, forçou sua saída por não concordar com um artigo em que Gebru é coautora. Neste artigo há questionamentos sobre a atuação da corporação no processamento de grandes modelos de linguagem, sobretudo quanto aos riscos e consequências da manipulação de uma quantidade enorme de dados.  

Alguns desses riscos incluem os perigos de modelos de linguagem imitarem “muito bem” a linguagem humana o que pode gerar o uso para fins criminosos, como produção e disseminação de desinformação e discurso de ódio, por exemplo; ou ainda o desenvolvimento de um modelo de IA racista, sexista, xenófoba entre outras problemáticas, visto que a coleta ocorre de forma massiva e indiscriminada a partir de dados da Internet; e, um dos pontos que gostaria de tensionar aqui, os custos ambientais causados, principalmente, pela exacerbada energia elétrica necessária para que os computadores sejam capazes de processar a quantidade de dados destes modelos.

Isso significa que quantos mais dados processados maiores serão as emissões de carbono. Um único treinamento de uma única versão de modelo de linguagem seria equivalente à emissão de carbono de um voo ida e volta de Nova York a São Francisco (4.675km x2), por exemplo. Para as autoras, esse modelo de processamento beneficiaria somente as corporações e sem um plano de contingência de danos ambientais as consequências seriam muitas, sobretudo para populações e nações marginalizadas. Gebru levanta essas questões justamente para precaver danos que atingiriam toda a sociedade e não só a corporação. Afinal qual a função do setor de ética senão apontar e orientar a respeito desse tipo problema, não é? Seu ex-chefe, Jeff Dean, afirmou que o artigo não atendeu ao padrão de publicação do Google e então forçou sua demissão.

Corta para agosto de 2021, o IPCC (Intergovernmental Panel on Climate Changes / Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), desenvolvido pelo o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (ONU Meio Ambiente), lançou o relatório Climate Change 2021: the Physical Science Basis (Mudanças Climáticas 2021: a base das Ciências Físicas) que informa basicamente que as mudanças climáticas causadas pela humanidade são irreversíveis e a tendência é de piorar nas próximas décadas caso nada seja feito para reduzir os danos.  Essa informação gerou uma grande conversação nas mídias sociais, na imprensa, nos ativistas, organizações da sociedade civil que tratam do tema entre outros setores da sociedade. Dentre as quais, a conversa da imagem abaixo retirada diretamente do Twitter

Este relatório é o maior e o mais importante documento sobre mudanças climáticas da atualidade. A pesquisa durou cerca de 3 anos e contou com a expertise de pesquisadores de 195 países que analisaram mais de 14 mil documentos. A principal mensagem: nós não temos mais tempo! Aliás, as consequências se adiantaram e a previsão é que em 2030, que está logo ali, convenhamos, nós já vamos perceber as mudanças de forma ainda mais latente. Isso implica em climas muito intensos (muito frio ou muito quente), escassez de água, oceano subindo em decorrência do derretimento das geleiras e invadindo cidades litorâneas, queimadas, fluxos migratórios em decorrência do clima (mais do que por guerras, inclusive) e assim por diante. 

O relatório e as conversações a partir dele trazem um apelo individual em torno do pacto coletivo pela redução de danos ambientais. Com certeza a individualidade é importante, além disso a adoção de políticas públicas é urgente, inclusive orientar governantes quanto às decisões é o principal foco do documento. Todavia é preciso abordagens que responsabilizem os maiores detratores do meio ambiente: as mega corporações. Sabe qual é o setor que mais libera os gases responsáveis pelo efeito estufa? O consumo de energia, com 73% das emissões mundiais, na subdivisão deste setor estão a geração de calor e eletricidade (30%), seguido de transportes (15%) e fabricação e construção (12%). Lembra dos questionamentos no artigo da Timnit Gedru? Pois é. 

A análise a respeito do aquecimento global tem como marco temporal o ano de 1850, que é quando tem início a Revolução Industrial e consequentemente mais queima de combustíveis fósseis. E cada década tem sido sucessivamente mais quente que a anterior desde então. Nem é necessário aguardar 2030 para entender, vimos nessas últimas semanas as Olímpiadas em Tóquio ocorrerem sob um sol de 40 graus, ilha na Grécia em chamas, escassez de água e ondas de frio históricas em diversas regiões do Brasil, Canadá alcançando temperaturas de 49º C e assim por diante. Nós presenciamos, é um fato e não é um roteiro ficcional distópico sobre o fim do mundo. 

Ora, se o marco do aquecimento global é a Revolução Industrial quando vamos falar das consequências das revoluções tecnológicas contemporâneas? Quando vamos transferir as responsabilidades individuais para as corporações que danificam exponencialmente o meio ambiente? Quando haverá políticas de regulamentação e fiscalização que extrapolem os discursos bonitos de ESG (Environmental, social and corporate governance / Governança Ambiental, Social e Corporativa)? Quando as corporações serão incluídas verdadeiramente no pacto coletivo de redução de danos? Repito: não temos mais tempo! As medidas são urgentes, se não logo em breve os bilionários vão simplesmente pegar seus foguetes e lotear terra em Marte deixando o colapso climático da Terra para nós reles mortais. Inclusive, o passeio do Bezoz à borda da atmosfera, além de um investimento de bilhões de dólares, emitiu cerca de 300 toneladas de carbono, o que equivale à produção de toda uma vida de uma pessoa comum. Se é o ser humano que têm mudado o clima do planeta, trata-se de um tipo de ser humano em específico, como os Larry Page, Jeff Dean, Mark Zuckerberg, Jeff Bezoz e similares.

Tais Oliveira é mestre e doutoranda em Ciências Humanas e Sociais na UFABC e pesquisa sobre tecnologia, sociedade e relações étnico-raciais.


A opinião do colunista não necessariamente representa o posicionamento do Bitniks.