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Passou da hora de regular o Facebook como serviço público

Opinião

Em 1974, o Departamento de Justiça dos EUA (o “DoJ”) entrou com uma ação contra a AT&T. A empresa na época não só era praticamente a única fornecedora de serviços telefônicos como também era a maior fabricante de equipamentos telefônicos. Na prática, se você queria falar no telefone, tinha que ser por meio da companhia. Processos como esse sempre demoram e, em 1982, chegou-se a um acordo pelo qual a empresa seria dividida: uma empresa ficaria com as chamadas internacionais, e as chamadas locais seriam divididas entre algumas empresas menores, que ficaram conhecidas como Baby Bells (Bell era o nome original da empresa, fundada pelo inventor do telefone, Alexander Graham Bell, em 1875).

Não foi o primeiro nem o maior caso do tipo em que o governo americano interveio em empresas privadas. Em 1911, o mesmo Departamento de Justiça já havia conseguido dissolver a gigante Standard Oil, que detinha o monopólio do petróleo no país por meio de uma série de acordos e subsidiárias. A decisão foi baseada em uma lei conhecida como Sherman Antitrust Act, que determina que empresas não podem impedir a competição em seus setores. 

Por fim, em 1998 o governo americano entrou com um processo semelhante contra a Microsoft. O estopim do caso foi a distribuição, junto com o Windows, do Internet Explorer. Na época, browsers e o próprio acesso à internet eram algo novo, e a Netscape havia lançado um browser que se tornou o padrão do mercado. Com a distribuição do Explorer pela Microsoft, porém, a empresa simplesmente fechou. Além do browser, a Microsoft também distribuía o pacote Office, e os concorrentes não tinham acesso a dados técnicos que permitissem desenvolver concorrentes para estes produtos que conversassem com o sistema operacional.

O caso da Microsoft foi diferente dos anteriores por dois motivos: o monopólio da empresa não era tão escrachado; e até por isso o DoJ acabou fazendo um acordo com a empresa que impediu que ela fosse dividida em duas, como pedia o processo inicialmente.


Estas histórias voltam à tona em 2021 toda vez que Facebook ou Google são pegos fazendo alguma merda. As empresas são grandes demais, são, na prática, monopólios, e não têm qualquer supervisão pública sobre atividades que têm enorme impacto público. O Google é muito mais do que obviamente um monopólio, usa a força de seu monopólio para se estabelecer em outras áreas e massacrar a concorrência, e a única coisa que pode explicar a inação dos governos é o fato de que o Vale do Silício goza, ao mesmo tempo, de enorme proteção vinda de enormes doações eleitorais, e de reputação que ainda não está totalmente chamuscada.

Se o Google é claramente um monopólio, é um pouco mais difícil caracterizar o Facebook como tal. Embora a empresa seja dona não só do FB como também do Instagram e do Whatsapp, o que obviamente lhe dá enorme peso financeiro e de alcance, existem, e surgem com frequência, redes concorrentes, como o Twitter e o Tik Tok, e o Facebook não tem como impedir seu surgimento ou crescimento. Ainda que isto seja discutível, já que as redes da empresa mais de uma vez já copiaram características de concorrentes que estavam surgindo e com isso tiraram sua força (como o Snapchat), é defensável.

O maior problema do Facebook não é ser um monopólio, mas sim ser grande demais para as pessoas poderem evitá-lo. O Facebook não é o único, mas ele é obrigatório, é um serviço indispensável para quem quer estar nos mercados em 2021. E, como serviço indispensável, ele não é simplesmente uma empresa privada, é também uma prestadora de serviço público, um “public utility”, e desta forma deve ser regulada.


A definição para serviço público foi criada para água, luz, gás, telefone, serviços em que a infraestrutura necessária para a implantação não permite que haja concorrência disponível para o cliente. E mesmo uma sociedade profundamente capitalista como a americana entende que, se não é possível haver concorrência em uma área em que há interesse público, a sociedade precisa regular o que se passa nesta área.

De onde chegamos que, por um motivo ou por outro, Facebook, que esteve em evidência esta semana, mas também o Google, não podem continuar existindo como se fossem fornecedores de calçados ou biscoitos, como se seus feeds de notícias e vídeos não fossem monopólios ou não tivessem o poder de influenciar sociedades em direções imprevisíveis e que têm sido catastróficas.

Este talvez seja um problema dos proponentes da regulamentação como serviços públicos: o argumento mais forte não é o argumento técnico, sobre monopólios ou serviços públicos. O argumento mais forte é prático, social: o efeito dos produtos que estas empresas colocam no mercado é sentido pela sociedade como um todo, e a existência ou não de concorrência para elas não muda este fato.

Das matérias publicadas pelo Wall Street Journal na semana passada, a mais chocante é a que mostra que o Facebook tem estudos que mostram que o Instagram é “tóxico” para adolescentes, e mesmo assim não faz nada para mudar isto. A matéria que veio depois desta, porém, provavelmente é mais emblemática das práticas da empresa e de seu CEO, e é a que mais explicita a necessidade de regulamentação. O que o WSJ mostra, é que o Facebook sabe que as mudanças que fez no algoritmo para “diminuir o ódio” na plataforma tiveram o efeito contrário; que grupos interessados em polarizar a opinião pública e disseminar ódio e desinformação sabem e usam isso; e que Mark Zuckerberg se recusou a mexer no código com medo de “perder engajamento”.

Se você tem dúvidas sobre o tema, pense no efeito que Facebook, Instagram, Twitter, TikTok e Youtube têm na sua vida, na vida da sua família e na sociedade em que você vive. São numerosos os exemplos de conteúdos que, se acontecessem no rádio ou na televisão, causariam escândalo, mas no Facebook ou no Youtube não só não causam como são promovidos.

Eu uma coluna anterior, sobre médicos e pesquisadores do Twitter, eu falei sobre como o engajamento age como uma droga. A pessoa recebe uma atenção que nunca recebeu antes, e se inebria disso. E não quer mais largar. Instintivamente e com a ajuda dos algoritmos, vai adequando seus conteúdos ao que traz mais “engajamento”, atenção. E o que o sistema favorece é que o engajamento seja gerado por posts que suscitam paixões fortes. É a morte da moderação, e, portanto, de qualquer chance de entendimento e convivência social.


Em 1911, o governo americano entendeu que a concentração das atividades relativas à chegada da gasolina nas bombas em uma empresa só representava um problema social, que tinha que ser enfrentado. Em 1982, embora ninguém fosse obrigado a falar no telefone, o entendimento foi o de que o serviço se tornara parte da vida das pessoas de uma forma que elas não poderiam evitá-lo, e por isso o governo agiu. No caso do Google, é clara a ameaça à concorrência, e até por isso autoridades européias têm agido em diversas frentes contra o poder da empresa. No caso  do Facebook, o paralelo é mais a AT&T do que a Standard Oil: é possível evitar o Facebook, mas não sem perdas para a vida pessoal, profissional e comercial.

É para isso que existem governos: para agir em nome da sociedade, regulamentando o que pode oferecer perigo para a própria sociedade. Não há justificativa para não agir quando há tanto em jogo, e em tantas frentes. Se o governo pode agir contra John D. Rockefeller e a poderosa Standard Oil, só não age contra Facebook e Google porque não quer. A sociedade precisa pressioná-lo para que queira.



A dica de hoje, nos 30 anos de Nevermind, do Nirvana, é essa playlist da Sub Pop, a gravadora seminal do grunge. Tem Mudhoney, Soundgarden, Tad, e tem até Nirvana!


A opinião do colunista não necessariamente representa o posicionamento do Bitniks.