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Jogadores de CS:GO ostentam coleções milionárias de skins (ou armas coloridas)

CS:GO

Arte: Lindon Johnson

Em um conflito armado entre soldados em um deserto do Marrocos, todos têm a estatura média parecida e acesso igualitário a um arsenal de armas, que variam de granadas de fumaça, explosivas e até de luz. Apesar das armas e avatares iguais ou muito parecidos, são as cores diferentes e adesivos nos rifles e submetralhadoras que chamam a atenção e despertam a curiosidade e por vezes admiração dos aliados e dos oponentes dessa disputa.

A cena retratada acima é vivenciada por muitos players do game que teve seu início há mais de duas décadas — o Counter Strike, que há nove anos tem sua quarta versão lançada, chamada Counter Strike Global Offensive, ou CS:GO. Os armamentos coloridos e adesivados são conhecidos como skins (“pele”, em inglês), e se tornam símbolo de reconhecimento e diferenciação na comunidade do jogo. Alguns remetem a campeonatos, jogadores profissionais, eventos entre outros.  

Foi colecionando e negociando esse tipo de acessório no game desde 2017 que o paulistano Rian Moreira, 22, youtuber e streamer ajudou a família a sair do sufoco financeiro ao vender um item de valor mais elevado por dinheiro real. Com o dinheiro, o jovem pagou a parcela do financiamento do automóvel da mãe no mesmo ano. “Fazia streaming jogando Minecraft e percebi que outros streamers ganhavam mais dinheiro com o CS:GO por conta das skins”, lembra Moreira.

Moreira é conhecido como @cachorro1337 nas redes e atualmente ostenta em seu Instagram fotos de carros comprados com os lucros de suas atividades como influenciador, mas é longe dos motores guardados em sua garagem que está a verdadeira ostentação. Seu inventário de skins no game, hoje vale cerca de R$ 1,7 milhão. “Vendi skins para me sustentar até 2019, depois disso a renda aumentou e elas podem ser guardadas e trocadas por outras melhores”, conta.

Moreira e sua mãe, com carros que valem menos que sua coleção no jogo. Imagem: Acervo Pessoal

As armas, caixas e adesivos mudam de preço com o decorrer do tempo, o que de certa forma também pode gerar lucro a quem negocia. Há uma chance de obter algumas skins no próprio jogo, que são concedidas a alguns jogadores de forma aleatória a depender da sorte após as partidas ou usar o sistema de caixas que também dentro do game e que recompensam com itens aleatórios.

Moreira, que joga há cinco anos, é direto ao dizer que as chances de conseguir skins pelas caixas é depender de sorte. “Você precisa de sorte ou dinheiro. Habilidade em jogo não interfere em nada”, comenta.

Skin não é skill, mas gera lucro e intimida adversários

Por mais bonita que seja sua arma no game, isso não garante acertar o adversário antes de ser acertado primeiro e derrotado, mas para Moreira, que gastou cerca de R$ 400 mil em itens no ano anterior, manter as skins também é a chance de gerar um conteúdo mais atrativo para os seus seguidores nas plataformas em que mostra os bastidores da negociação com outros jogadores de partes diferentes do mundo.

“Faço vídeos sobre as skins, notícias do cenário, curiosidades e mostro minhas negociações. Assim como um canal sobre carros, é interessante ter pelo menos alguns carros que possam servir de diferentes maneiras, então, preciso de algumas skins para o meu conteúdo. O investimento faz parte e os itens estão valorizando muito nos últimos meses”, revela.

“Colecionar é um modo de mostrar a própria identidade, é um investimento além do dinheiro e demonstra como essa pessoa se enxerga por meio de um investimento simbólico. Está relacionado com o modo como esse indivíduo se relaciona no seu ambiente social, podendo fazer amizades nesses círculos e também criar competições entre os pares para exibir o quanto é um colecionador importante, isso acontece de games a carros”, explica Helen Barbosa dos Santos, doutora em Psicologia Social e Institucional pela UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul).

Entre trocar tiros, ganhar posicionamento no mapa, plantar a bomba ou desarmá-la, ter uma coleção de equipamentos diferenciados também pode ser uma forma de intimidar o adversário, antes mesmo que a ação comece no jogo.

“As skins mostram um pouco da sua personalidade e a forma que você leva o jogo. Geralmente pessoas que se dedicam mais ao game tendem a ter skins mais raras e de maior valor, quando vejo que um jogador tem exemplares mais caros sei que o jogo contra ele vai ser duro”, comenta o policial militar Wellington Ildebrando, 27, de Itapira, interior de São Paulo.

Skins de CS:GO

Ildebrando nunca gastou fortunas na compra das skins e o seu inventário com cerca de 70 skins e adesivos foi adquirido abrindo caixas no game, que custam cerca de R$ 13,99 [com alguma variação de preço], mas o dinheiro também foi adquirido pela ‘carteira Steam’ ao vender itens no próprio mercado da comunidade.

“Consegui todas as minhas skins abrindo caixas. Gosto mais do efeito surpresa quando vem uma rara do que meramente comprar no mercado. Lucrei uma vez apenas, quando abri uma caixa e ganhei uma ‘Ak47 Imperatriz field tested (testada em campo)’, Gastei R$ 9,90 na chave pra abrir e o item valia em torno de R$ 180,00. Vendi para comprar jogos”, comenta Ildebrando.

Ildebrando também investe desde 2019 no cenário de streamings e faz lives dos games que joga por meio do seu canal Gamer Recruta. Ele reconhece a importância de ter skins. “Nesse mercado faz diferença ter skins legais. Chama muito a atenção de quem está assistindo ver o inventário do streamer com itens raros. Além disso, mostra um comprometimento a mais com o game, afinal, o streamer não iria investir uma boa grana em skins se não fosse para levar o jogo a sério, isso prende o telespectador”, comenta o policial militar.

Skins por estética

Entre os itens que chamam mais a atenção do inventário do publicitário paulistano Raphael Pestana,25, está o seu ‘Canivete Borboleta | Aquecimento de aço’. A skin que substitui a tradicional faquinha custa quase R$ 10.000

Apesar de jogar apenas por diversão, Pestana já investiu um valor considerável em sua coleção de armas virtuais. “Quando comecei a jogar, não me interessava tanto em colecionar, mas ver outros jogadores usando skins desperta interesse e comecei aos poucos a comprar algumas mais baratas. Mas as mais caras são sempre as mais bonitas e mergulhei mais a fundo nesse mundo, comprando itens de valor mais elevado”, comenta.

“Apesar da minha mais cara ser o ‘Canivete Borboleta’, não comprei pelo preço que está cotado hoje. Pelo contrário, em um site de troca, juntei várias skins que eu tinha e troquei por ela. É possível comprar pela própria plataforma do game [Steam] ou usar sites alternativos que oferecem esse tipo de opção”, completa.

Sem revelar o valor exato investido em sua coleção, Pestana afirma que os gastos são superiores a R$ 10.000. “Morava com minha mãe em meados de 2017 e por muito tempo investia cerca de R$ 500 por mês para comprar skins. Atualmente sou casado e tenho um filho e não disponho mais desse valor extra”, comenta.

Ainda que com menos tempo, Pestana joga regularmente em seu tempo livre e não tem planos concretos de vender seu inventário, que diz manter por estética no game. “Em alguns sites ou para outros jogadores é possível vender as skins, mas é um mercado muito malicioso, tenho medo de ser enganado”, revela.

O engenheiro mecânico Eduardo Gomes Rossi, 23, natural de São Leopoldo – Rio Grande do Sul está justamente na outra ponta desse tipo de negociação e não cogita em hipótese alguma vender seus itens, mas pelo contrário adquirir novos.

 “Estou longe de ser reconhecido nesse mercado de skins, mas fiz uma rede de contatos desde que comecei a jogar em 2019 e várias pessoas me procuram querendo vender as suas skins. Isso aumentou principalmente nesse momento de pandemia de covid-19”, conta Rossi.

Rossi revela que não tem um valor fixo para investir nesse tipo de negociação, mas que varia de acordo com as oportunidades. “Se aparecer alguém querendo me vender um item por R$ 3.000 e que custa em média R$ 5.000 eu compro. Há meses em que gasto até R$ 10.000”, revela o engenheiro mecânico.

Sua coleção hoje está avaliada em R$ 65.000, de acordo com o próprio, e manter os itens para Rossi é uma maneira de se destacar nas partidas. “Uso ela mesmo para me diferenciar, quando jogo com amigos e outros jogadores. Normalmente quem tem mais skins joga melhor”, comenta.

“Quando colecionamos algo, muitas vezes colecionamos não só para nós, mas para os outros, para nos colocar nesses espaços de trocas sociais e reconhecimento. Quando a pessoa não tem outro método de vida, além da coleção é possível pensar em um possível diagnóstico”, alerta Santos.

Para Pestana o mercado não se diferencia dos demais esportes, por exemplo. “Assim como qualquer empresa, os jogos também vão fazer de tudo para que você gaste mais com eles. Cai nessa história e gastei um bom dinheiro, mas isso é o capitalismo”, comenta o publicitário.

O psicanalista Gregor Osipoff, Mestrando em Psicanálise pela Universidad Kennedy – Argentina, avalia que toda coleção parte de uma motivação, seja no ambiente real ou virtual e que é preciso observar os indicadores que deixam essa relação prejudicial à saúde. “É quando o colecionador passa do ponto de viver sua vida e fica focado apenas em obter tal objeto para completar a coleção, consumindo assim o tempo de outras atividades do dia a dia. Pode haver também um exagero e perda do controle sobre o desejo, como uma obsessão em adquirir tal objeto para a coleção”, aponta Osipoff.