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O segredo do Pix, a tecnologia que virou até desculpa para flertar

Imagem: Lindon Johnson/Bitniks

“Faz um pix!” é daquelas frases que você cansou de ouvir nos últimos meses. Precisa rachar a grana do churrasco? Faz um pix. Esqueceu a carteira em casa? Faz um Pix. Quer doar para alguém na internet ou pagar uma conta? Pix é a pedida. A tecnologia de pagamentos instantâneos completa um ano no país nesta terça-feira (16), mas já caiu no gosto dos brasileiros graças à sua facilidade. E, mais do que isso, já impacta também a nossa relação com o dinheiro.

Dados do Banco Central indicam uma adesão 639% maior desde a estreia do serviço: em novembro de 2020, 13,7 milhões de brasileiros tinham suas próprias chaves — número que, hoje, já está na casa dos 112,6 milhões. São mais de 1,1 bilhão de transações todos os meses, que movimentam R$ 550 bilhões. Estima-se que o número de operações via Pix já ultrapassou outras formas de transferência tradicionais, como TED e DOC.

A tecnologia também acelera a inevitável aposentadoria do dinheiro físico. Quarenta bilhões de reais em espécie deixaram de circular no país entre janeiro e outubro de 2021 — queda de 10,5% em relação ao ano passado. Como observou o Estadão, toda essa grana, se enfileirada em notas de R$ 100, seria suficiente para dar uma volta e meia ao redor da Terra.

A popularização da internet móvel, dos apps de internet banking e o surgimento de uma cultura financeira mais forte no país formaram a tempestade perfeita para o boom do Pix. Mas isso não conta a história inteira: a ideia de usar apenas CPF, e-mail ou número de celular — informações mais fáceis de guardar do que sequências de dígitos de agência e conta-corrente — para transferir e receber dinheiro é muito sedutora. Até o nome ajuda: Pix, uma sílaba curta e sonora, não demorou a fazer parte do vocabulário. Países que criaram uma tecnologia de transferências descentralizada, mas sem nome, não tiveram o mesmo sucesso do Brasil.

Com o Pix já consolidado com o público, o desafio agora é diversificar o serviço. Em maio deste ano, chegou o Pix Cobrança — modalidade que tem vencimento futuro e serve como uma espécie de boleto. Agora em novembro, o sistema anunciou novas ferramentas, o Pix Troco e o Pix Saque, que passarão a valer no dia 29 deste mês.

Todos os clientes, a partir da data, poderão usar o Pix para sacar dinheiro e receber troco em comércios por todo o país. Será possível, assim, que um cliente autorize uma transação com valor superior na hora de pagar um produto para receber parte em dinheiro

Os limites serão de até R$ 500 durante o dia e R$ 100 à noite, mas os comércios poderão definir limites menores, de acordo com a localização e tipo de negócio — uma forma de aumentar a segurança. 

“O acesso simplificado, aliado ao custo baixo de saque, tende a estimular o cliente a não precisar manter todo o seus recursos em dinheiro, mas sim de mantê-los em conta corrente e sacá-los somente quando sentir necessidade”, explica Thiago Garcia, superintendente de produtos e serviços PJ do Tribanco.

O espaço do Pix

O crescimento dos negócios informais durante a pandemia também é uma brecha para métodos alternativos de pagamento. A adesão entre as pessoas jurídicas ao serviço tem sido mais lenta, é verdade: existem atualmente 7,4 milhões de usuários PJ — apenas 6,5% do total. Ainda assim, dados do Sebrae mostram que 8 em cada 10 negócios pequenos já aceitam a plataforma como pagamento. Um levantamento da consultoria Gmattos com 59 lojas de comércio eletrônico do Brasil (que, juntas, somam 85% do e-commerce nacional) indicou que 50,8% delas já aceitam a tecnologia.

Apesar do sucesso demonstrado pelos números, especialistas apontam questões que precisam ser superadas antes que o Pix se consolide de vez como o meio definitivo de pagamento e transferências no Brasil. Uma delas é a barreira etária: dados de outubro do BC indicam que usuários entre 20 e 39 anos representam 65,7% dos usuários. 

Essas questões, segundo Vicente Piccoli Braga, advogado e doutorando em direito comercial, também estão relacionadas a dificuldades na integração de sistemas. Operações das empresas de varejo, afinal, foram estruturadas a partir de meios de pagamento tradicionais, como cartões de crédito e boletos. O Pix, porém, exige a criação de novas formas de gerenciamento.

“Acredito no potencial do Pix para ocupar um espaço que hoje é ainda ocupado pelo dinheiro em espécie. Além disso, acredito que o Pix representa uma ameaça significativa para os cartões de débito, mas menor para os cartões de crédito e para os boletos, vez que esses ainda são de uso muito comum para a parcela relevante (mas felizmente decrescente) da população que ainda é desbancarizada”, disse o advogado, em entrevista ao Bitniks.

Para 2022, estão previstas a chegada do Pix débito em conta e o Pix garantido, que irá permitir compras parceladas no Pix –uma vantagem para quem vende e também para compradores. Estão no radar do Banco Central, ainda, a liberação de serviços como o pagamento offline via Pix e o Pix aproximação.

Mas, enquanto essa expansão toda não acontece, o brasileiro tratou de colocar sua criatividade em prática para ampliar, por conta própria, a versatilidade do serviço.

Prova disso é que transferências via Pix vem sendo usadas até mesmo para paqueras online. Os flertes geralmente seguem um mesmo método: a pessoa envia uma quantia simbólica para a conta de quem está interessada e, no campo onde deveria escrever a identificação da transferência, acrescenta uma mensagem com segundas (ou terceiras) intenções.

Após algumas histórias viralizarem nas redes sociais, onde a ferramenta chegou a ser batizada “pixsexual”, o Banco Central se manifestou sobre o assunto. Afinal, “o Pix é um meio de pagamento, não uma rede social”, nas palavras do órgão. Tarde demais. Se depender do gosto dos brasileiros, o Pix, ao que parece, já pode substituir nosso próprio sistema bancário.