Raros jogos indie podem quebrar estruturas narrativas e ter um impacto equivalente a títulos feitos por uma grande equipe. O semi-autobiográfico No Longer Home, game do gênero point and click (onde você mira com o mouse para interagir com objetos), consegue cativar jogadores sem esforços, mesmo sendo criado por uma equipe de apenas quatro pessoas.
Produzido pelo colaborativo Humble Grove, coletivo composto por Cel Davison (roteiro) e Hana Lee (arte), o game traz uma curta fração do que é a vida de Ao e Bo, dois jovens adultos moradores de um flat inglês em um período de mudanças.
O jogo se diferencia de outros que também representam histórias de amadurecimento, voltado aos jovens mais “alternativos”. Life Is Strange e Tell Me Why, por exemplo, retratam vida e morte, em uma salada mista de superpoderes com temas mais delicados. Gone Home também se passa em um único local, mas é um mistério a ser desvendado, chegando perto de um quebra-cabeças.
Enquanto isso, No Longer Home não te desafia de nenhuma forma. Você não pode falhar, nem precisa se preocupar com potenciais gatilhos emocionais que possam te tirar da zona de conforto. Ele é feito com o único propósito de você jogar e se identificar com o cotidiano destes dois adultos. O fim acontece de forma natural; há poucos cenários e múltiplos trechos abstratos, mas você basicamente se guia pela interação com pessoas e objetos. Parando para pensar, não é tão distante asim da vida real.
Um ponto forte é que arte e narrativa se preenchem. Há cenas de transição quando você transita entre cômodos, onde vemos os objetos “caindo” em seus devidos lugares. Imperfeições têm alto poder de imersão, afinal, a cama desarrumada, papeis espalhados e as roupas jogadas por todos os cantos são parte da vida de qualquer um.
Para jogadores que curtem o gênero, No Longer Home é comparável a Kentucky Route Zero, game bem-conceituado lançado em 2013, com visual similar. Ele é autoconsciente em sua inspiração, por enquadramentos, animações e zoom da câmera. Em alguns momentos tem problemas de navegação. Porém, nada que te tire do sério. Ele ainda ganha pontos positivos por deixar fazer carinho em gatos.
Não há dublagens em No Longer Home. Tudo é contado por meio de texto. Diálogos entre personagens e seus próprios “pensamentos em voz alta” surgem na base da tela, como romances visuais e jogos de simulação populares. Quando o jogo acha necessário, ele propõe que você escolha qual dos dois personagens responderá aquela conversa, deixando você ter mais controle sobre o rumo desta breve história.
Existe um grau de intimidade (entre jogador humano e personagem virtual), que acontece imediatamente e permanece a cada conversa — inclusive quando você opta por interagir com outra pessoa em um papo para quebrar o gelo. A identificação é infalível, pois todos os jogadores conseguirão ver a si mesmos entre aqueles amigos reunidos para uma festa/almoço, em uma tarde tranquila, quase nostálgica.
Por fazer parte do público alvo, diria que No Longer Home é ideal para jogadores entre 19 e 29 anos, uma etapa da vida que impõe mudanças. Temos incertezas sobre identidade própria, margeando uma crise existencial – ou mergulhando completamente nela, por que não?
Como (quase) tudo na vida, o que é bom dura pouco. O game é conciso, demorando menos de duas horas para ser concluído. Nos primeiros segundos após eu “aceitar” que aquela história acabara, senti uma pontinha de frustração, mas logo percebi que foi totalmente intencional. Assim que você chega perto de se envolver mais com aqueles personagens, você dá de cara com os créditos. O benefício da duração curta de No Longer Home é você se propor a jogar em uma só sessão. Desta forma, creio que fique mais nítido extrair lições de vida, refletindo sobre melancolias e alegrias do dia a dia.
No Longer Home é atualmente vendido por R$ 28,99 na Steam, disponível para os sistemas Windows, Linux e Mac.