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Lemos ‘Assassinos da Lua das Flores’, livro que vai virar filme do Martin Scorsese

Após anos de pesquisa, David Grann escreveu o livro Assassinos da Lua das Flores, contando a história real de assassinatos dos índios (ricos) osages, nos anos 1920. Os nativos que moravam em Oklahoma não estavam lá por acaso: foram realocados pelos “novos americanos” brancos. Acontece que suas residências foram erguidas sobre enormes reservas de petróleo e, não muito tempo depois, a essência capitalista norte-americana tomou conta.

O centro da obra – e parte do motivo de torná-la tão arrebatadora – está em uma das famílias osages, rodeada de mortes peculiares naquele contexto. Envenenamento, explosão da residência, tiro a sangue frio. Fisgado por este início, no primeiro capítulo, o leitor de Lua das Flores tem fôlego para imaginar o restante das tramas horrivelmente arquitetadas que se desenrolarão nas próximas 300 páginas. Quando o terror passa para a escala nacional, envolvendo morte de autoridades que investigam a “Maldição Negra”, temos uma melhor percepção do que foi o medo de qualquer um remotamente próximo aos índios. 

Grann descobriu a história que trouxe ao grande público em uma visita a um museu osage. Ele questionou a a eliminação da seção de um mural que tinha uma foto de 1920. O motivo, de acordo com a curadoria, era que naquela parte da imagem havia uma criatura demoníaca. A figura era um dos assassinos, como David conta:

“Os osages removeram aquela figura não por esquecer os assassinatos, como fizeram muitos americanos, mas porque não podem esquecer

O autor/jornalista também diz que o livro surgiu a partir de uma tentativa de preencher o espaço sua ignorância. 

Assassinos da Lua das Flores não esconde as raízes racistas dos brancos da época ao contar as histórias sem filtros. Mesmo legalmente sendo donos das terras e de tudo o que era extraído delas, os índios precisavam de supervisores formais, os chamados guardiões. A estimativa de 30 milhões de dólares arrecadada pelos osages hoje, com inflação e conversão, facilmente passa de 1 bilhão de reais.

Minnie, Anna e Mollie Smith: três das vítimas, em casos que dizem muito sobre o contexto da época. (Reprodução/The New Republic)

Outra ausência de barreiras está para a violência, contada de forma gráfica, te transportando para tais momentos. São detalhes mórbidos, mas necessários. A obra é escrita com tom de livro-reportagem, mas em escala quase cinematográfica quando foca em investigações e momentos de mais ação. Grann fez uma boa pesquisa e não dá pistas de haver grande liberdade poética, o que acaba por engrandecer sua pesquisa como parte de arquivo histórico.

Na capa da edição nacional, lançada em 2018, temos outra curiosidade explorada na obra: ela promete retratar a “criação do FBI”. Na realidade, o FBI da época era exclusivamente uma “polícia da polícia”, mas a pura necessidade de investigação fez com que o Departamento Federal de Investigação fosse algo mais próximo ao que conhecemos hoje, dentro e fora da cultura pop.

O que mantém interesse além dos momentos de maior carga emocional é a construção de cenários e exposição provas (e soluções a curto prazo) para pistas. Partimos ora da ótica de quem foi vítima, ora da ótica de quem descobriu aquilo que realmente aconteceu. Não há grande criação de suspense, nem desvio brusco de narrativa. Pensando que o FBI não documentava como hoje e havia ainda menos liberdade de imprensa, o desafio de investigação pelo próprio David parece ser infinitamente complexo.

O governo norte-americano deu as costas à maioria dos casos. Parte deles só teve progresso na investigação por única e exclusiva responsabilidade dos familiares. Tal qual centenas de histórias como esta, incluindo até o musical Hamilton, o legado do que é contado funciona como retrato da época e também da atualidade.

Lily Gladstone e Leonardo DiCaprio na primeira imagem da adaptação (DIvulgação/Apple TV+)

Em 2021, a obra será adaptada em longa-metragem nas mãos de ninguém menos que Martin Scorsese, via Apple TV+. A produção terá também a dupla Leonardo DiCaprio e Robert De Niro, os xodós do diretor, que com certeza devoraram parte dos 200 milhões de dólares de orçamento. Fato é que, em 2022, quando espera-se que veremos o filme de Lua das Flores, o sangue e os traumas deste passado continuarão correndo pelos EUA.